Mãe é mãe. A palavra maternidade carrega consigo a beleza de poder ser classificada como o sinônimo do mais belo dos sentimentos – o amor. Tão em falta em tempos como os atuais. É na base do amor que são superados os desafios das mulheres que escolhem a gravidez. Seja ela com uma criança gerada em seu corpo ou pelo processo de gestação adotiva.
Nesse Dia das Mães as personagens principais de nossa narrativa são mulheres que escolheram adotar uma ou mais crianças e contam com orgulho a história de suas famílias. Conversamos com mulheres integrantes dos Grupos de Apoio à Adoção Quintal de Ana, de Niterói, no Leste Fluminense e Desmistificando a Adoção, de Cabo Frio (RJ), na Região dos Lagos, essenciais para o processo de maternidade adotiva. Os grupos fazem parte da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD.)
Os testemunhos da maternidade
Neia, mãe de dois meninos.
A escolha. “Meu esposo e eu somos casados há 10 anos, como já me casei com 35 anos, queria logo engravidar, depois de aproximadamente 1 ano e meio sem métodos anticoncepcionais veio a ideia de fazer alguns exames para saber se estava tudo bem. Foi aí que em um dos exames descobrimos a impossibilidade de gerar de forma natural, lembro que na mesma consulta, onde o exame foi apresentado, o próprio médico sugeriu que não fizéssemos tratamento. Curiosamente ele disse: porque não dar amor a quem precisa? Então, ficamos aproximadamente mais um ano sem falar sobre o assunto. Um dia encontramos uma prima que não víamos há muito tempo. Ela nos visitou e trouxe com ela os quatro filhos adotivos. Logo depois que foram embora, meu esposo conversou sobre procurarmos saber como eram os procedimentos da adoção. Isso ocorreu em 2013, eu fiquei superanimada, procuramos uma amiga, que também tinha um filho do coração, que nos orientou como era o processo. Na mesma semana agendamos uma consulta com um psiquiatra que, de pronto, nos forneceu o laudo de sanidade, que faz parte do processo. Começamos a frequentar as reuniões do adote, que aconteciam, na época uma vez por mês, juntamos todos os papéis e demos a entrada na habilitação. Em 2014, ficamos habilitados, então começou a espera”.
Os desafios. “A habilitação acompanha muitas expectativas e ansiedades. Às vezes queremos agilizar o processo. Assim sendo, nós visitamos alguns abrigos na região, entendendo que facilitaríamos os procedimentos, mas isso nos fez entender algumas coisas que acontecem nos bastidores dos órgãos responsáveis. Os desafios são enormes, pois víamos nos abrigos (os que nos permitiam entrar) crianças tão carentes, à espera de uma vida nova, que no final acabava voltando para o mesmo lugar onde sofrera os maus tratos, pois parece ser o caminho mais fácil mandar a criança de volta a família genitora e incapacitada. Mesmo quando a criança é acolhida, a parte judicial se mostra extremamente burocrática, demora muito a destituição dos poderes familiares. Isso gera insegurança para a família acolhedora, para a criança acolhida, que muitas das vezes já quer iniciar um novo momento. No nosso caso, acolhemos duas crianças, chegaram em 2017, apenas no final de 2021 o processo foi finalizado. Me lembro que em 2019 as crianças já estavam conosco há 2 anos, entendendo já que pertenciam há uma nova família. Nosso advogado nos informou que havia uma audiência. Ou seja, ele ainda queria ouvir os genitores, saber se ainda tinham algo a declarar sobre as questões, e isso nos gerou muita insegurança, soubemos que ninguém compareceu à audiência. Levou mais 2 anos para nos conceder a decisão definitiva”.
O conselho. “Eu diria para as futuras mamães do coração, que não desistam, mesmo com todas as dificuldades e desafios que encontramos, no final valerá cada minuto de espera. Estamos falando de vidas, que completarão as nossas vidas, estamos falando de um amor puro e verdadeiro, então vale a pena a espera. E, para quem pensa em entrar no processo, eu diria: Entrem e se preparem para viajar para um lugar da vida, que é cheio de surpresas e realizações”.
Amor de mãe. O amor de mãe é um amor que todas deveriam experimentar, porque é um amor tão verdadeiro que me faz ir muito além do que imaginei ir, que mudou as minhas prioridades, que me fez abrir mão de minha própria vida e entender que valeu a pena. É comemorar uma boa nota no boletim, e uma letrinha legível, como se fosse uma viagem dos sonhos, ou um presente muito esperado.
Grupos de apoio a adoção. As redes de apoio, como o próprio nome diz, além de todo apoio que podemos ter, que é de extrema importância, faz com que as experiências vividas por cada um, venha como esperanças, pois é muito comum histórias muito parecidas serem vivenciadas por vezes, em várias famílias, e o apoio mútuo traz de volta os ânimos que, por alguma intercorrência pode acabar deteriorado, faz manter a chama do desejo à adoção, viva em meio às adversidades.
Thais, mãe de dois meninos de 7 e 9 anos.
A escolha. “Nunca pensei em ser mãe pela via biológica. Nunca tive vontade de gestar na barriga. Aos 18, quando me descobri homossexual, isso se tornou mais claro para mim. Desejava ser mãe desde os 25, porém eu não queria ser mãe solo. Somente anos depois encontrei uma parceira que compartilhava do mesmo desejo adotivo que eu. Entramos para os grupos de apoio pelo menos três anos antes de darmos entrada no pedido de habilitação a fim de nos prepararmos. Demos entrada no pedido de habilitação no dia 25/08/2020, fomos habilitadas em fevereiro/2021, encontramos nossos filhos na busca ativa em Julho/2021 e no dia 10/09/21 estávamos com a guarda deles”.
Os desafios. “Por parte do processo em si, falta de homogeneidade entre fóruns. Uns que são mais práticos e outros mais complicados para correr as etapas de aproximação, convivência etc., além de dificuldade nas informações para pretendentes. Graças a Deus não tivemos dificuldades nem nos trâmites na Comarca dos nossos filhos que são de Minas Gerais, como até o momento também não tivemos na Vara de Duque de Caxias. Por parte dos pretendentes, os maiores desafios acredito ser falta de informação e preparo para a adoção e romantização da adoção”.
O conselho. “Que se preparem, façam parte de grupos de apoio, troquem informações com outras mães que já adotaram e mesmo depois que adotar, nunca deixem de se preparar. O conhecimento não ocupa espaço e todos os dias os filhos trazem novos desafios, nunca sabemos de tudo e o que não sabemos como lidar alguém no grupo de apoio pode te ajudar com suas experiências vividas”.
O amor de mãe. “O amor de mãe é o único que é incondicional, você ama independente da aparência do seu filho, das dificuldades, de ter ou não saído do seu ventre. Você dorme e acorda todos os dias pensando no que você pode contribuir para a evolução dele e para que ele se torne um adulto cidadão de bem, feliz e independente, para que você tenha certeza que cumpriu sua missão”.
Grupos de apoio a adoção. “Suma importância, visto que, com toda a rede de apoio que te auxilia e te equilibra na passagem pelos desafios da adoção, já é difícil em muitos momentos. Imagina então sem rede de apoio. Faço meus agradecimentos em especial aos Grupos de Apoio à Adoção: Quintal de Ana, Imensidão do Amor e Adote e Ame, que com sua experiência e carinho sempre auxiliaram e auxiliam até hoje na minha trajetória adotiva”.
Simone, mãe de dois meninos e uma menina.
A escolha. “Sempre sonhei em ser mãe. Sou casada há 31 anos e quando me casei queria esperar por três anos até termos nossos filhos, a fim de que neste tempo pudéssemos solidificar mais nosso relacionamento e planejarmos com responsabilidade e estabilidade para então podermos oferecer recursos necessários para ele(s); pois o lado do amor sempre nos sobrou para oferecer. Mas após estes três anos começamos a tentar engravidar e não conseguíamos. Fiz vários exames e nada me impedia. Já para o lado masculino, a possibilidade de poder ter algum problema que cause a não realização de um sonho de todo casal. É complicado e isso demanda tempo de aceitação dessa possibilidade. Luto pela infertilidade; questões internas e pessoais que cada um age e reage de uma forma muito particular. E para a mulher a espera desse processo de aceitação masculina, é um período muito difícil. Acredito que para o homem seja é um luto de um sonho natural: Poder dizer “minha esposa está grávida” meu filho não tem a minha cara?”. Mas, quando se tem amor para dar, principalmente para as mulheres, acredito que não importa se é no útero ou no coração. Ouvir a palavra mãe dita diretamente para nós é o que mais se quer ouvir. Estava aguardando o processo de aceitação por parte do meu esposo acabar para poder pensar no “que” e “como fazer” (digo isso porque muitas pessoas hoje têm adoção solo) queria e dependeria do meu marido. pois o sonho de uma família; não teria sentido para mim sem o querer dele também. Mas, depois de alguns anos, a aceitação da infertilidade dele; com maturidade, nos levou a esperança novamente de termos uma família. Para mim, eu escolhi ser mãe. Ser uma mãe adotiva foi um privilégio divino”.
Desafios. “Isso é de suma importância a ser falado e discutido. O maior desafio é a dificuldade, a burocracia, demora do andamento do processo (o que faz com que muitos desistam no meio do processo), descaso por parte de algumas localidades. Acredito que se isso fosse visto e revisto e algo fosse feito mais famílias se formariam em nosso país”.
Conselho. “Não desistam do seu sonho. Aguentem firmes. Quando você escuta o som de uma ou mais vozes dizendo assim: Mãããeee; Mamãe, eu te amo. Não tem preço, é algo inexplicável”.
O amor de mãe. “Algo inexplicável. Sentimento único que você tem vontade de proteger, cuidar, pegar no colo e só dar amor. Mas, ao mesmo tempo, quer ensinar tudo que puder para que não sofram quando você não estiver por perto. É um misto de sensações, pensamentos, medos, certezas. A principal certeza que você foi abençoada por Deus por ser mãe”.
Grupos de apoio a adoção. “Muito importante porque através das redes de apoio você se prepara, tira dúvidas, adquire conhecimentos, tem a possibilidade de conhecer e ser abençoada por histórias edificantes, além de ter um suporte indispensável no momento desse tão demorado processo”.
Fátima, mãe de um menino.
A escolha. “Na verdade, sempre tive esse sentimento dentro de mim. Quando criança, minha mãe me levava à festa de N. S. da Penha, e nas escadarias, eu via várias mulheres com bebês no colo, pedindo ajuda. Eu pedia a minha mãe para pegar a criança e levar para casa. Depois de adulta, esperei ter um emprego fixo para entrar com o processo de adoção. E, em 2014, dei início ao meu desejo”.
Desafios. “Primeiro, exercer a paciência. Achei um pouco demorado, afinal, do início do processo até chegar o meu filho, foram 4 anos e 10 meses. Esse foi o maior desafio, aprender a ser paciente”.
Conselho. “Não pensem numa criança dos sonhos, imagine uma criança real: com seus medos, angústias, aquela que chega para bagunçar a casa (enchendo de alegria). Arrume o quarto quando souber a idade, o sexo, a etnia. Eu não fiz álbum de espera, pois me traria ansiedade. Também, quando o Pedro chegou, não fiz chá de boas-vindas. Ele tinha 1 ano e 2 meses, e não conhecia ninguém, e nem a casa onde passaria a morar. Poderia deixá-lo assustado, choroso”.
Amor de mãe. “Não sei nem definir. Ele é tudo para mim”.
Grupos de apoio a adoção. “Durante o curso preparatório, tive um bom suporte. Mas, depois que peguei a guarda provisória (2019), a equipe da Vara de Infância só entrou em contato comigo um mês depois. E, até a guarda definitiva (2021), só viram o Pedro duas vezes, na última entrevista com o psicólogo e com a assistente social”.
Michele, mãe de duas meninas, de 2 e 20 anos e dois meninos, de 4 e 6 anos.
A escolha. “A ideia sempre existiu no meu coração, pois já tinha adoção na minha família, quando conheci meu esposo e já expressava esse desejo do meu coração, porém não sabíamos se o desejo ia se concretizar por vários motivos, curso da vida, falta de conhecimento sobre a adoção, etc.”
Desafios. “Nossa experiência: A ideia que tínhamos é que existia uma busca a nível de estado, conforme nos foi passado nas reuniões, e nós escolhemos somente no Estado do Rio. Demos entrada na Baixada fluminense, conforme foi o tempo passou parecia que essa busca, se é que ela existia, era somente ali na queda região onde as assistentes sociais tinham acessos, abrigos próximos. Tivemos que nos mudar e mudar também de vara da infância. Assim que isso foi feito fomos contatados como sendo o primeiro casal na fila de espera daquela Vara, tínhamos acabado de chegar, mas o ano que entramos na fila foi antes dos que já estavam lá na lista da Vara. Por fim, chegamos à conclusão que não existe única fila da adoção a nível Estadual como nos foi passado. Até hoje não entendemos muito bem.”
Conselhos. “Eu falo: Adotem. Seu sonho da maternidade vai ser realizado, o amor de mãe vai muito além da genética. Não desista dos seus sonhos, abra seu coração para adoção tardia, procure os lugares que fazem busca ativa você encontrar seu filho lá.”
Amor de mãe. “Amor de mãe é você ver a sua vida fora do seu corpo, é sentir algo e não conseguir explicar em palavras, é amar mais que a si mesmo, é sentir dor física quando algo foge do seu controle e pode afetá-lo.”
Grupos de apoio a adoção “Essencial, necessária, imprescindível. Quando entrei nesse mundo da adoção o tamanho do meu amor e felicidade era do tamanho do meu medo. Poder conviver, ouvir, conversar com quem já passou, ou passa, ou tem essa vivência é de uma paz no coração, de saber a quem recorrer é ter uma tranquilidade de saber do acolhimento, escuta, enfim.”
O cenário da maternidade adotiva no Brasil.
Uma visita aos dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça neste domingo mostra que o Brasil tem 29.570 crianças acolhidas, sendo a grande parte (13.958) no Sudeste. Com 1.424 crianças adotadas, o Rio de Janeiro só fica na frente do Espírito Santo neste quesito. A diferença para o número de São Paulo (8.489) impressiona.
O sistema nos mostra ainda que o Brasil conta com 33.058 pretendentes disponíveis à maternidade em todo o Brasil, sendo que no Rio de Janeiro são 3.128 pessoas. No nosso estado são 298 crianças disponíveis para adoção. Parece uma conta fácil de fechar, não é?!
Uma análise detalhada mostra que a maior parte deste grupo esperando pela maternidade são crianças pretas e pardas e com mais de dez anos. No Rio de Janeiro, somente 5,9% dos pretendentes aceitam uma criança preta e no universo dos 3.136 pretendentes, apenas 86 estão dispostos a adotar uma criança com mais de 10 anos.
Roberta Bello, advogada e coordenadora geral e fundadora do Grupo de Apoio a Adoção Desmitificando a Adoção, de Cabo Frio (RJ), fala sobre as questões ligadas ao perfil de criança desejando pelas mães que estão em processo de maternidade adotiva
“Penso que o perfil idealizado por muitos pretendentes, que não condiz com a criança real, apta para a adoção, ser um dos motivos pelos quais a conta não fecha! A grande maioria das crianças aptas à adoção são pretas ou pardas e mais da metade tem irmãos. Faz se necessário debates sobre adoções necessárias, desmistificando a adoção tardia (crianças com mais de 3 anos), a adoção de grupo de irmãos, a chamada adoção especial (de crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência) e a adoção inter-racial”.