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Ex-morador de rua faz exposição no Rio com materiais retirados dos lixões

Artesão Marcelo da Conceição Teixeira dá a volta na vida com a exposição Ensaio Aberto, na Galeria Tropigalpão, na Glória, Centro do Rio

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21 de agosto de 2025
Ex-morador de rua faz exposição no Rio com materiais retirados dos lixões
O artista Marcelo da Conceição Teixeira, de 59 anos.

Texto e fotos: Marcos Vinicius Cabral

A perda de três sobrinhos e um irmão em um desabamento ocorrido na Comunidade da Lagoinha, no Caramujo, em Niterói, mudou a vida de Marcelo da Conceição Teixeira, atualmente com 59 anos, naquele 2011.

Analfabeto, negro, pobre e sobrevivendo do suor do seu rosto nos serviços de capina de terrenos baldios e da construção civil sendo ajudante de pedreiro, o artesão que está com a exposição Ensaio Aberto, na Galeria Tropigalpão, na Glória, Centro do Rio, nem de longe lembra o homem atormentado pela depressão e pela ausência dos entes queridos.

“A tragédia familiar me levou para as ruas, mas a arte me resgatou delas. Foram 11 anos de silêncio, determinação e muito trabalho com as peças produzidas. Não utilizo plástico. Meu trabalho é realizado com materiais recicláveis. As únicas coisas que eu compro são o barbante e a cola que não encontro facilmente nos lixos. Tudo tem o seu valor e o luxo vira lixo nas mãos de quem valoriza as coisas”, afirma.

Antes de ser descoberto em uma feira no Rio por Jorge Mendes, curador do Museu Janete Costa de Arte Popular, de Niterói, Marcelo da Conceição ‘cortou’ um dobrado.

“Comecei recolhendo o material e vendia nas feiras do Rio de Janeiro e o restante eu fazia as minhas artes. Tinha que sobreviver, já que ia à escola e nunca aprendia nada, tanto que sou analfabeto. Porém, eu olho para os materiais e faço uma leitura do que aquilo pode se transformar. Enfrentei muita coisa e passei muita dificuldade na vida, não sou religioso, mas sei que virar artesão sem nunca ter estudado em uma escola de artes, inexplicável para muitos, é obra de Deus”, acredita.

E prosseguiu: “Agradeço muito a Jorge Mendes, que foi o que me descobriu para as artes. Fiz uma exposição em Niterói com 100 obras e dali por diante comecei a expor em outros lugares”, agradeceu.

Por sua vez, Jorge Mendes define o trabalho de Marcelo Conceição como atemporal, diferente de muitos artistas que passam por fases.

“A maioria dos artistas passam por fases, no entanto em relação a Marcelo Conceição, não há uma identificação clara dessas etapas no seu trabalho. Isto porque ele depende dos materiais que recolhe nas ruas, feiras ou doações. O acaso está sempre presente em sua obra e em sua vida, mas alguns temas são recorrentes: barcos, caixas, oratórios, assentamentos, cetros e orixás impregnados de sua ascendência africana, além das esculturas completamente abstratas.

Utiliza poucos instrumentos de trabalho: um estilete, um pedaço de lâmina de serra, cola e também economiza nas cores das tintas, priorizando o vermelho, o preto e o branco, referências à escola de samba do coração: Salgueiro. Tem predileção por botões, peças de bijuterias, rolhas de cortiça, búzios e carretéis. Alguns trabalhos confeccionados com varetas de bambu e linhas remetem à infância e lembram as técnicas utilizadas na confecção de cafifas (pipas ou papagaio), brinquedos tão lúdicos e leves que podem ser levados pelo vento.

Os trabalhos aqui expostos revelam um pouco da complexidade de um artista plural e generoso, que compartilha o pouco que tem e que encontrou, na convivência diária e democrática das ruas, o sustento, a liberdade e a fonte de inspiração”, definiu.

Já Paulo Nóbrega, CEO da Galeria Imaginária, organiza a exposição de Marcelo Conceição e faz um conceito do trabalho do artista.

“Temos o prazer de realizar, em parceria com o Tropigalpão, a exposição individual Ensaio Aberto de Marcelo Conceição. Nascido em Niterói, o artista começou a desenvolver seu trabalho artístico há cerca de 9 anos, durante suas andanças pelo Rio de Janeiro. Das ruas recolheu – e ainda recolhe – material e inspiração. Nas ruas também viveu e recuperou sua vida. Autodidata, consegue construir obras elegantes e por vezes bastante complexas. Modesto nas cores e exuberante nas formas, Marcelo vai pavimentando uma carreira sólida e fértil, já tendo atraído a atenção de artistas, curadores e críticos de arte, importantes instituições e colecionadores pelo Brasil”, elogiou.

A mostra Ensaio Aberto é a quinta na carreira de Marcelo Conceição. Muita coisa mudou na vida do ex-morador de rua que virou artesão reconhecido, mas uma coisa permanece: o desejo de fazer com que as pessoas acreditem que são capazes de fazer qualquer coisa.

“Quando você está na rua, as pessoas não te olham, mas olham o que você faz. Meu trabalho começou a ser visto e creio que Deus me deu essa oportunidade. Por isso, a arte não é como arroz e feijão que você compra para se alimentar. Eu sei disso. Não mudou muita coisa na minha vida financeira, continue o mesmo, mas a sociedade não me olha como morador de rua e sim como um artesão, um artista. Isso é bom não para mim apenas, mas para outros moradores de rua que podem ser o que eles quiserem. Inspirar pessoas é, sem dúvida, a minha maior felicidade”, concluiu.

Interessados em conhecer o trabalho de Marcelo Conceição podem acessar o Instagram do artista que é o marceloconceicaoarte.

SERVIÇO:

Artista: Marcelo Conceição
Exposição: Ensaio Aberto
Visitação: de quarta-feira a sábado
Horário: das 12h às 18h
Local: Tropigalpão
Endereço: Rua Benjamin Constant, 118 – Glória – Rio de Janeiro


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