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Explosão em tradicional fábrica de São Gonçalo completa 45 anos

Tragédia ocorrida em 3 abril de 1980 deixou dois mortos e 24 feridos, todos funcionários da Getec Guanabara Industrial

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26 de agosto de 2025
Explosão em tradicional fábrica de São Gonçalo completa 45 anos
Jornais da época retrataram a tragédia em São Gonçalo

Por Marcos Vinicius Cabral

“Meu pai foi um herói não reconhecido na explosão”, diz Fernanda Souza dos Santos Pineiro, administradora de 47 anos, uma das filhas de Evaldo Luís dos Santos, morto na explosão na Getec Guanabara Quimica Industrial S/A, no bairro Trindade, em São Gonçalo. A tragédia ocorreu na madrugada do dia 3 de abril de 1980 na fábrica que empregava 400 funcionários à época. Até hoje as pessoas procuram respostas para saberem o que de fato aconteceu no reator R/201-A que estava em um dos tanques que fabricava álcool furfurilico utilizado na produção de solventes de tintas que matou dois funcionários e feriu outros 24.

O CONEXÃO FLUMINENSE encontrou as filhas das vítimas e mais outras duas pessoas que tiveram a vida mudada para sempre após o acontecimento que completou 45 anos em abril deste ano. Segundo Fernanda, o pai foi considerado um herói pelos que estavam na fábrica na hora da tragédia, deu a vida para salvar outras tantas e não teve o reconhecimento pelo ato praticado.

A Fernanda, filha do Evaldo, é a criança menor

“Na noite do acidente, eles estavam fazendo um experimento de uma química e não tomaram precaução. Minha mãe conta que não era o dia dele trabalhar, pois ele foi no lugar de um colega que exercia a função de chefe, ou seja, acima da dele. Naquela madrugada, meu pai, ao pressentir que o experimento estava dando errado, gritou de cima de um dos reatores que era para todos correrem. Ao invés de salvar a própria vida, ele, sabe-se lá por qual razão, tentou fechar a válvula de um dos reatores para conter as chamas. Não deu. Infelizmente a explosão foi ouvida em um raio tão grande de distância que moradores de Niterói sentiram o estrondo que destruiu várias casas ao entorno, feriu 24 funcionários, e despedaçou o corpo do meu pai”, contou emocionada ao Conexão Fluminense.

E foi além: “Fizemos um enterro simbólico no Cemitério do Maruí, no Barreto, apenas com uma mecha de cabelo, única coisa que conseguiram encontrar dele. Já Manoel, outro morto nesse acontecimento, teve partes do corpo encontradas nas proximidades da Getec”, afirmou e lembrou que a Getec indenizou a família com uma casa após o acidente.

Já Bárbara Cristina Barbosa de Souza, de 50 anos, a filha primogênita de Manoel José de Souza Júnior, morto na explosão, diz que o pai não estava se sentindo bem para trabalhar naquela quinta-feira.

“Segundo relatos da minha mãe, meu pai sempre foi um homem muito responsável e um ótimo chefe de família. No dia do acidente, ele acordou cedinho e disse que o corpo dele não estava pedindo para ir trabalhar, coisa que ele gostava muito. Estranhamente, naquele dia ele não acordou bem. Minha mãe falou pra ele ficar em casa e ouviu dele que não podia faltar. Minha mãe e meu tio contam que no mesmo dia ele quase foi atropelado e brincou dizendo que ‘hoje ainda não é meu dia’. Infelizmente, no final, foi”, lamentou.

Manoel, vítima da explosão

Sobre o acidente que tirou a vida do pai, Bárbara conta que o pai perdeu a vida e salvou muitas outras.

“Eu sei que no dia, ele o Evandro salvaram muitas pessoas. Se não fossem eles, a tragédia seria muito maior. Ano depois, minha mãe explicou que eram dez válvulas para abrir e ele conseguiu abrir oito delas. A explosão aconteceu na nona”, revelou Bárbara, que mora bem perto do local do acidente.

Outro que não esquece a tragédia é Marcus Vinicius de Oliveira Abreu, consultor de informática de 56 anos, que mora desde 2005 em Riad, capital da Arábia Saudita. À época da explosão, Marcus era um menino de 12 anos e morava no bairro Estrela do Norte com os pais e um irmão mais novo.

“A “A explosão aconteceu durante a madrugada. Me lembro de acordar assustado com o barulho e encontrar meu pai também desnorteado andando pela casa. Morávamos na Estrela do Norte e, da minha casa até a Getec, são três quilômetros de distância. Movidos pela curiosidade, saímos de casa e fomos para a varanda da frente tentar entender o que havia acontecido. Tínhamos a impressão de que o barulho tinha vindo de Alcântara. No entanto, um vizinho trabalhava à época na Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro (Cerj) descartou a possibilidade de ser a explosão de um transformador de energia elétrica”, contou Marcus.

Marcus Vinicius de Oliveira Abreu

Quinze anos após a tragédia, quis o destino que Marcus viesse a ser analista de sistema na Getec em 1995. Mas a explosão não deixa de ser lembrada um único dia.

“Algumas cenas não saem da minha memória. Lembro perfeitamente que, da minha casa, dava para ver que havia uma fumaça no alto da região onde ficava a Getec. Não sabíamos onde havia acontecido a explosão. Um vizinho pegou o carro e fomos eu, meu pai e ele tentar saber o que havia acontecido. Ansiosos e apreensivos, seguimos em direção àquela fumaça e estacionamos o carro bem próximo do 7° BPM. Dali fomos andando e estava tudo muito confuso nas ruas mais próximas: bombeiros, ambulâncias, polícia, muitos moradores das vizinhanças locais andando de um lado para o outro sem saber o que fazer. Me lembro que vi pessoas chorando, desoladas, trajando camisolas, pijamas, com muito medo, possivelmente com as casas destruídas. No dia seguinte, havia equipes de TV para cobrir a tragédia. Os jornais, por conta da hora, só noticiaram no dia seguinte. Até hoje lembro disto”, recordou.

O Conexão Fluminense conversou com uma quarta pessoa que viveu a tragédia que devastou São Gonçalo: é Bruno Cardoso Faria, de 46 anos, técnico em eletrônica. À época do acidente, o morador de Trindade era um bebê de pouco mais de um ano, mas com o passar do tempo começou a ouvir muitas histórias sobre a explosão da Getec.

Bruno Cardoso Faria

“Morava com meus pais na Trindade e nossa casa ficava a menos de 50 metros de uma das entradas da Getec. Minha mãe contou que na noite da explosão, que aconteceu por volta de 1h da manhã, o colchão levantou cerca de 40 centímetros por causa do impacto ocasionado pelo aumento da pressão atmosférica. Imediatamente faltou luz e quando minha mãe foi ao berço em que eu estava dormindo viu um pedaço de vidro a cinco centímetros da minha cabeça. Ela me tirou cuidadosamente e nos escombros da casa ela percebeu que a porta havia sido arrancada inteira junto com os batentes e ido parar no outro lado da sala. Todos os vidros foram quebrados, meus pais saíram comigo e com minha irmã em direção à rua e, na escuridão, pela falta de luz, acabaram pisando nos cacos de vidros espalhados pelo chão. Quando a energia elétrica foi restabelecida, muitos moradores que estavam de pijama e camisola na rua voltaram para ver o estrago nas residências. Por intervenção divina, meus pais não estavam com os pés cortados, mas a barriga da minha mãe ficou toda chamuscada por fragmentos de vidros e sangrando um pouco. Minha irmã teve um leve corte na perna, enquanto eu e meu pai nada sofremos. Os móveis da casa estavam intactos, mas a estrutura da nossa casa acabou abalada”, detalhou Bruno que, anos mais tarde, ficou sabendo que um pedaço do reator foi parar no quintal da casa de uma prima.

Os funcionários que foram vítimas da explosão, tiveram um enterro simbólico. Uma mecha do cabelo de Evaldo Luís dos Santos, de 27 anos, e partes do corpo de Manoel José de Souza Júnior, de 34, foram colocados em um caixão e enterrados no Cemitério do Maruí, no Barreto, em Niterói, no dia 7 de abril de 1980.

O CONEXÃO FLUMINENSE esteve na sede da Getec Guanabara Química Industrial S/A na manhã de sexta-feira (22) e nenhum funcionário quis falar sobre a explosão. Procuramos a assessoria de comunicação da fábrica que nos enviou a seguinte nota:

Crachá de funcionário morto na explosão

“A Ingredion esclarece que adquiriu as operações da Getec Guanabara Química Industrial S/A em São Gonçalo (RJ) em 2007. A companhia é fornecedora líder mundial de mercado de soluções para ingredientes e tem como um de seus valores o ‘Cuidado em Primeiro Lugar’. A empresa opera de acordo com a legislação local e segurança em suas instalações é prioridade, seguindo os mais altos padrões internacionais. Além de aplicar tecnologias avançadas em seu parque industrial que permitem o monitoramento e vigilância permanente do processo produtivo, a unidade de Alcântara (RJ) também conta com uma Brigada de Incêndio própria, disponível 24h por dia e treinada constantemente, e todos colaboradores da unidade recebem treinamentos periódicos com foco em diversos aspectos de segurança. A Ingredion reforça seu compromisso com o bem-estar da população gonçalense e mantém contato constante com a comunidade, por meio de um comitê comunitário e de um canal de comunicação exclusivo on-line e disponível que é o faleconosco@ingredion.com”, encerrou o comunicado.

Explosões de acontecimentos

A jornalista Cidinha Campos, escreveu na edição do dia 4 de julho de 1980, na coluna que mantinha no jornal Luta Democrática, que muitas famílias afetadas pela explosão em um reator na Getec não foram indenizadas. Descobriu-se que o economista e ministro dos governos João Figueiredo e Costa e Silva, Hélio Beltrão (1916-1997), pai da jornalista Maria Beltrão, era acionista da Getec.

Dois anos depois, uma nova explosão aconteceu em 8 de junho de 1982. O resultado foi que o soldador Luiz Paulo Chagas, de 33 anos, e o encanador Félix Antunes da Silva, de 26, feridos, foram parar no Pronto Socorro de Alcântara. Um dia depois, na manhã do dia 9, Félix morreu em virtude de um traumatismo intracraniano.

O prefeito Jayme Campos, ainda em 1982, travou uma batalha com os diretores da Getec a fim de mudar a localização da fábrica. Não conseguiu.


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