Por Paulo Renato Pinto Porto
Jornalista
No mundo da chamada pós-modernidade, algumas atividades sofreram transformações substanciais em suas linhas de produção e engrenagens operacionais, entre elas o futebol, que deixou de ser apenas lazer para virar também um grande negócio que movimenta bilhões em cifras e se expande mundo afora.
As novas tecnologias, através das diferentes plataformas digitais e outros veículos como diferentes canais de streaming e TV exibem torneios e campeonatos com intensa exposição para diferentes países. É o futebol globalizado, que cada vez mais amplia a distância entre os clubes grandes e pequenos.
No século passado, o dirigente abnegado que doava um pouco do seu tempo e até de suas economias para ajudar o clube do coração, desapareceu. A paixão cedeu lugar à razão. No lugar onde havia o mecenas, entra o investidor que tem o clube como veículo para suas pretensões empresariais.
O futebol deixou de ser romântico e transformado no que hoje se chama de indústria do entretenimento. Virou um produto em que o torcedor é tratado também como consumidor. Se o produto não tem grandes atrativos, este torcedor-consumidor vai buscar outras opções. Logo, obter resultados no campo e entrar nas disputas de forma competitiva ou com chances de protagonismo, é preciso.
Os estádios encolheram, o torcedor tem acompanhado o seu clube mais pela TV do que pela presença nas arquibancadas, que cederam lugar às cadeiras, um espaço das camadas populares, hoje um ambiente, lamentavelmente, elitizado.
O Goytacaz Futebol Clube, que completa neste dia 20/08 seus 110 anos, foi engolido pelas mesmas estruturas arcaicas do século passado que, arraigadas em sua própria cultura amadorística, insistem em permanecer na Rua do Gás, não cedendo espaço às exigências do profissionalismo desta engrenagem.
É mantido refém de um modelo de gestões temerárias, incompetentes e até desonestas, que já custou a perda de um patrimônio precioso do clube, a Vila do Curumim, numa nebulosa transação que contemplou um gigante do mercado imobiliário, até hoje questionada na Justiça. E ninguém foi preso.
Por outro lado, entra e sai ano, o sofrido torcedor assiste, entre perplexo e indignado, a uma sucessão de gestões calamitosas, marcadas por falhas gritantes e extrema irresponsabilidade no campo esportivo. Um profissionalismo meio amadorista ou um amadorismo meio profissionalista.
Em tempo: de nada adianta seus antigos ou atuais dirigentes irem para as redes sociais culpar a Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj), que, verdade seja dita, é um zero à esquerda, não ajuda clube algum, menos ainda os considerados pequenos.
O que a Ferj tem mais feito é subtrair das pobres agremiações altas taxas e despesas operacionais incompatíveis com as minguadas receitas das competições deficitárias que promove. Mas, reitero. Não tentem, senhores dirigentes, se eximir de responsabilidades culpando exclusivamente a entidade pelos seus fracassos. Não é a Ferj que administra o Goytacaz.
Com a Ferj atrapalhando contra ou não, clubes como o Volta Redonda, a Portuguesa, o Sampaio Correa, o Olaria, o Nova Iguaçu, o próprio Americano, o Friburguense, o Macaé, o Serra Macaense, América, Angra dos Reis, Cabofriense, o Madureira, o Resende, o obscuro Pérolas Negras, até mesmo o Paduano, estão longe do fundo do poço em que se encontra o Alvianil da Rua do Gás.
Goytacaz e seleção brasileira
Um clube que já deu ao Brasil craques internacionais do porte de um Amarildo (bicampeão mundial no Chile); Edevaldo (lateral direito da Seleção Brasileira na Copa de 1982);Tite (primeiro parceiro de Pelé no Santos); Acácio (goleiro do Vasco que foi à Copa, em 1990); Paulinho Almeida (artilheiro do Campeonato Carioca de 1955 pelo Flamengo); Paulo Marcos (zagueiro que vestiu a camisa do Internacional-RS, entre outros clubes); Cláudio José (ex-Vasco e outros times), Orlando Fumaça (ex-Vasco, Cruzeiro e outros clubes), Jussiê (ex-Cruzeiro e Bordeaux-França).
Em campeonatos nacionais, o clube já brilhou no palco principal do futebol brasileiro, quando disputou a Série A, despontando entre os 30 melhores da competição numa disputa com 74 participantes, em 1978. Sete anos depois, chegou a ser vice-campeão brasileiro da segunda divisão na disputa da Taça de Prata. Nos campeonatos estaduais, sempre fez jogo duro, entrentando de igual para igual os grandes do Rio. Quando não empatou venceu Vasco, Flamengo, Botafogo e Fluminense, nas décadas de 1970/80.
Portanto, um Goytacaz de passado intenso, coberto de glórias, história e tradição, que desde 1919 já cedia jogadores para a Seleção Brasileira, caso de Amaro Silveira (pai de Amarildo), na campanha da Copa Rio Branco.
Uma agremiação que já ostentou prestígio nacional e proezas diante de um dos grandes do futebol internacional quando empatou (1×1) com o Futebol Clube do Porto, em histórico amistoso no Aryzão, em 1975.
“Todavia, o patrimônio mais valioso do Goytacaz é imaterial — a sua numerosa e encantadora torcida, uma massa de fiéis apaixonados”
Paulo Renato Pinto Porto, jornalista
Que possui forte inserção comunitária, especialmente nas camadas populares, mas que hoje se encontra mergulhado em dívidas, com seu único patrimônio físico, o Estádio Ary de Oliveira e Souza, ameaçado de penhora pela Justiça e afundado numa melancólica posição esportiva no cenário estadual.
Todavia, o patrimônio mais valioso do Goytacaz é imaterial — a sua numerosa e encantadora torcida, uma massa de fiéis apaixonados que, mesmo diante da série de fracassos e decepções ano após ano, se renova e demonstra enorme poder de resiliência.
Em 2017, o povão azul desfrutou de um breve momento de êxtase após o triunfo sobre o rival Americano, na decisão em Nova Friburgo. Mas a meteórica felicidade alvianil teve vida breve, pois logo sobreveio uma quadra de novas decepções e fracassos que se arrastam até os dias atuais. A alegria incontida cedeu lugar a uma tristeza inconsolável. O clube sucumbiu ladeira abaixo na queda para a quarta divisão do futebol do estado do Rio de Janeiro, a inacreditável, mas real e suprema humilhação.
Nada a comemorar nestes 110 anos, mas muito a refletir para que os erros do passado não comprometam o presente e o leve a desaparecer no futuro.
Paulo Renato Pinto Porto é jornalista