A cidade de Niterói comemorou, em 22 de novembro de 2021, seu aniversário de 448 anos. Pouco mais de um mês depois, em 6 de janeiro, Angra dos Reis celebrou 520 anos. Neste 28 de março de 2022, Campos dos Goytacazes festeja os seus 187 anos. O que estes três municípios fluminenses têm em comum? O fato de terem sido elevados à condição de cidade no mesmo dia, pela mesma Lei Nº 6 de 28 de março de 1835, que afirma em seu Artigo 1º que “A Villa Real da Praia Grande, capital da província do Rio de Janeiro, é elevada à cathegoria de cidade com a denominação de — Nictheroy —”, e, em seu Artigo 2º que “Ficam igualmente elevadas à mesma cathegoria a Villa de São Salvador dos Campos, com a denominação de — cidade de Campos dos Goytacazes —; e a villa da Ilha Grande, com o nome de — cidade de Angra dos Reis —”.
Como pode, então, que Campos dos Goytacazes seja tão jovem, se comparada às duas cidades que com ela compartilham a certidão de nascimento? Este tema é recorrente nos aniversários da cidade e já provocou debates na Câmara de Vereadores, audiências públicas e diversas abordagens em matérias e artigos de jornal. Embora não exista consenso sobre qual marco de fundação deveria ser adotado, é hegemônica a noção de que esta baliza fixada em menos de dois séculos não corresponde à sua vasta trajetória histórica.
Niterói toma como referência para seu aniversário a data em que, em 1573, o governador Estácio de Sá deu posse das terras do outro lado da Baía de Guanabara a Arariboia. Angra, por sua vez, é ainda mais ousada: recua a 1502, quando foi “descoberta” pelos Portugueses em uma expedição comandada por Gonçalo Coelho.
Todo esse processo de colonização — um outro nome para apropriação violenta das terras dos povos originários — também ocorreu nas terras que viriam a ser Campos dos Goytacazes. Mesmo que não se recuasse a tanto, à chegada ou “descoberta” pelos Portugueses ainda no século XVI, não faltariam marcos a partir do século XVII mais compatíveis com a realidade da formação histórica do município.
“Todo esse processo de colonização — um outro nome para apropriação violenta das terras dos povos originários — também ocorreu nas terras que viriam a ser Campos dos Goytacazes.”
Vitor Menezes, jornalista e escritor
Em 1633 tem-se registro da implantação do primeiro curral, na Baixada Campista, onde hoje é o Distrito de Campo Limpo. Em 1652 forma-se o primeiro engenho de açúcar e é edificada a primeira capela do Santíssimo Salvador, onde atualmente é a Igreja de São Francisco, na Avenida Treze de Maio. Em 1653 é oficializada a Vila e formada a primeira Câmara de Vereadores, o que acabou sendo desfeito. Em 1677 a vila é retomada. Ou seja, referências, e estas são apenas algumas, não faltam.
A festa anual mais tradicional do município, a Festa do Santíssimo Salvador, chegou à sua 369ª edição em 2021. O primeiro jornal impresso de Campos é de 1831, o “Correio Constitucional Campista” — e o “Monitor Campista”, que circulou até 2009 e espero que volte um dia, foi fundado em 1834. Como pode, então, que nosso marco etário se mantenha em 1835?
Essa escolha pode estar associada a uma interpretação estrita da denominação de cidade — neste caso, Niterói e Angra que estariam recuando mais do que deveriam em suas referências de celebração. Mas desconfio da pertinência de uma outra hipótese: a de que Campos dos Goytacazes é uma senhora vaidosa que esconde a idade. Fortemente influenciada por um discurso positivista de progresso, nunca cuidou bem da sua história, conservando sonhos megalomaníacos de futuro — já quis ser capital do antigo Estado do Rio — e sempre querendo associar-se a alguma forma de industrialização ou de modernização conservadora que não precisava acontecer em detrimento do reconhecimento das suas profundas raízes.
Ainda assim, nesta data ou em qualquer outra, parabéns Campos dos Goytacazes.
* Jornalista. Professor no Curso de Jornalismo do Centro Universitário Fluminense (Uniflu) e doutorando no Programa de Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf).
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