Categorias: Opinião

A agenda do Dia Mundial da Água e a urgência na crise hídrica fluminense

*Por Mauro Vilar

É consenso que a água é um recurso fundamental ao surgimento e prosperidade das diversas formas de vida, sobretudo a água doce; aquela que chega nas nossas casas, também indispensável na produção de alimento do campo à indústria. Entretanto, esse recurso vital corresponde a apenas 3% do total disponível no planeta. Dada sua relevância e, principalmente, o cenário de degradação desse recurso finito, em 1992 determinou-se na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 22 de março como dia Mundial da Água, designado para reconhecer a importância crítica da água e promover ações que garantam sua gestão e desenvolvimento sustentáveis.

Neste 2023, as celebrações têm como tema “acelerando a mudança”, o qual destaca a crise hídrica mundial e urgência na tomada de decisões para salvaguarda da água e sua manutenção para gerações futuras. Além disso, a campanha globalse inspira na frase do ativista indiano Mahatma Gandhi: “seja a mudança que você quer ver no mundo”, e na antiga história do Povo Quechua (Peru)na qual sozinho, um beija-flor tenta apagar um incêndio na floresta, encorajando outros animais a fazerem a sua parte. Igualmente, somos convidados a agir individualmente e encorajar diferentes esferas da sociedade à gestão participativa e sustentável dos recursos hídricos.

Pôster de divulgação do dia mundial da água (2023). [tradução/Port.]: “seja a mudança que você quer ver no mundo. Fonte: UN Water

Sintomas da crise hídrica e sanitária no Rio de Janeiro

          A geosmina que protagonizou a crise no abastecimento de água entre 2020-2021, bem como a latente poluição costeira que afeta a balneabilidade e qualidade do pescado no litoral fluminense, são alguns dos sintomas da crise sanitária e hídrica no RJ, como uma consequência direta do saneamento básico precário em alguns municípios. De fato, no Estado, de 66,87% do esgoto coletado, apenas 47,15% desse é tratado.

A degradação de complexos lagunares, baías e mananciais tem sido reportada nas últimas décadas, a exemplo do rio Guandu, que abastece cerca de 9 milhões de habitantes na região metropolitana do Rio de janeiro, e tem sofrido a poluição dos seus afluentes em municípios da baixada fluminense. De acordo com o Instituto Trata Brasil, alguns desses municípios, como Nova Iguaçu e Duque de Caxias, estão há 6-8 anos consecutivos no ranking dos 20 piores em saneamento básico no País.

Ambos a geosmina e o 2-metilisoborneol (2-MIB) são compostos voláteis cuja presença na água está associada à proliferação (ou floração) de cianobactérias (algas azuis). Esses compostos são percebidos pelo olfato a partir de uma concentração de 4 nanogramas por litro.

No entanto, durante a chamada “crise da geosmina”, entre 2020 e 2021, as concentrações detectadas estiveram de 60 a 225 vezes acima do limite de concentração com potencial em conferir gosto e odor desagradáveis na água, mesmo após o tratamento convencional e avançado, como o uso do carvão ativado.

Concentração de geosmina + 2-metil-isoborneol (MIB) no ponto de captação e saída do tratamento de água na ETA Guandu. Fonte: Relatório de qualidade de água –CEDAE.

No Rio de Janeiro, florações de algas e cianobactérias têm sido responsáveis não apenas pela ocorrência da geosmina, mas também por impactos em lagoas costeiras, se estendendo até o litoral, como frequentemente reportado para praias na zona Oeste.

Apesar do potencial desses microrganismos em produzir toxinas letais, a desinformação e carência de planos efetivos de contingência e manejo, podem estar expondo a população a riscos até então subestimados, sendo a raiz do problema a falta de saneamento e execução de políticas de gestão sustentável dos recursos hídricos no Estado.      

Contaminação por cianobactérias (seta indicando a coloração verde da água) na praia dos amores (RJ) transportadas do complexo lagunar de Jacarepaguá. Fonte: Mauro Vilar (Registro Pessoal).

O do Dia Mundial da água 2023 alinhado com a Agenda global 2030

As celebrações na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Água de 2023 estão alinhadas com a agenda Global 2030 que traz consigo os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Este ano, será dada ênfase ao ODS 6 – Água Potável e Saneamento, que tem como objetivo garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos e todas.

O website da campanha global reunirá propostas individuais da sociedade civil que serão agregadas a compromissos de entidades governamentais, instituições e demais órgãos, os quais contribuirão para a “Agenda de ações para a Água” – o principal objetivo da Conferência da ONU sobre a Água.

“As nações devem começar a administrar a água como um bem comum […] o uso excessivo, a poluição e a crise climática ameaçam o abastecimento de água globalmente”, mencionou, Johan Rockström, pesquisador no Instituto de Pesquisa de Impactos no Clima (Potsdam, Alemanha) e co-presidente da Comissão Global para a Economia da água, em um artigo publicado no The Guardian no último 17 de março de 2023.

Deve-se dar ênfase à implementação acelerada e de melhor impacto para atingir o ODS 6 e outros objetivos relacionados à água. Por exemplo, dados recentes mostram que os governos precisariam trabalhar em média 4 vezes mais para alcançar esse objetivo em tempo hábil. Os desafios atuais e futuros no campo da água requerem ideias inovadoras e transformadoras.

Estando o ODS 6 fixado, como resposta da comunidade internacional à crescente crise hídrica e sanitária, as seguintes iniciativas podem ser tomadas para atingir sua meta:

  • Conservação e uso sustentável da água, por meio da manutenção da integridade dos recursos hídricos e cuidados para evitar o desperdício;
  • Aproveitamento da água da chuva, principalmente no semiárido;
  • Reuso e reciclagem da água, sobretudo no que se refere ao tratamento de efluente;
  • Tecnologias inovadoras para otimizar a eficiência de monitoramento, produção e tratamento da qualidade da água;
  • Manejo integrado dos recursos hídricos: abordagem holística e colaborativa no manejo da água, envolvendo tanto autoridades políticas, quanto a sociedade civil como tomadores de decisão.


Mauro Vilar é professor substituto e Pesquisador no Instituto de Biofísica da UFRJ

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