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Uma gravidez feminista, negra e favelada

Para celebrar o Dia das Mulheres passamos a caneta para a deputada Renata Souza, presidente da Comissão de Direitos da Mulher na Alerj.

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08 de março de 2024
Uma gravidez feminista, negra e favelada
A deputada estadual Renata Souza

*Por Renata Souza

Chego a mais este 8 de março de 2024 grávida de uma criança negra. Negra favelada de nascença, tornei-me doutora em Comunicação e Cultura e deputada estadual, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa. Ocupar os espaços da academia e da política exigiu, mais do que empenho e ousadia, o apoio de muita gente.

Ser uma mãe negra, aos 41 anos, envolve demandas individuais e coletivas as mais diversas para a formação de um ser inteiro em sua matéria e subjetividades, na sua identidade e, sobretudo, na sua noção de pertencimento à humanidade em sua condição infinita e circular no tempo e no espaço.

Sempre ouvi dizer sobre a sabedoria dos povos africanos e indígenas brasileiros no que se refere à responsabilidade coletiva das aldeias sobre a criação dos Omo kekere, no caso iorubá, ou curumins, do povo guarani. Agora, começo a sentir, desde a gestação, que a minha maternidade não é mesmo e jamais poderia ser solitária.

Envolve muitos aspectos a compreensão da existência de uma rede de afeto e cuidado na sustentação do meu projeto pessoal de fazer um filho ou uma filha nascer e crescer. Há de se considerar a ancestralidade, os avós, tios e demais familiares, os amigos e vizinhos da comunidade onde também eu nasci e cresci, as mulheres em especial. E há de se reconhecer, inclusive, o papel da sociedade e o do próprio Estado na estrutura e nas circunstâncias que envolvem não apenas a minha, mas toda e qualquer maternagem, inclusive a desta mãe negra.

No que se refere à ancestralidade, reverencio as mulheres da minha família que vieram antes de mim como a raiz da minha identidade e dos meus valores. Do mesmo modo, reverencio as feministas negras de todos os tempos que contribuíram de alguma forma para que eu me tornasse a mulher negra que hoje sou.

Graças a mulheres negras como Dandara, Luísa Mahin e Marielle Franco, entre tantas outras, minha gravidez vem nutrida de novas perspectivas de vida para a criança que trago no meu ventre, referenciadas em liberdade, independência e autonomia para que possa vir a escolher e conquistar o seu próprio destino.

Mas preciso compartilhar aqui as peculiaridades ainda desafiantes que envolvem essa dimensão social da maternidade de uma mãe negra neste primeiro terço do século 21.

Digo aqui do racismo que permanece como um pilar estrutural desta sociedade patriarcal, ainda comandada por e para uma minoria de homens brancos da política tradicional. Digo aqui do desafio, que ainda urge, da superação de uma cultura escravagista que ainda hoje determina brutais desigualdades sob a lógica da feroz e enganosa competição por privilégios para alguns às custas de muitos, por critérios medonhos de classe, raça e gênero.

Quero poder ver a minha criança crescer e sair com a sua turma sem o temor pelos riscos relacionados à violência do Estado. Quero ver a minha criança aprender a viver sem limites para os seus sonhos, sem que os seus direitos pudessem ser a todo momento afrontados.

A cultura do patriarcado se expressa de modo doloroso nos dados do Instituto de Segurança Pública: o número de mulheres vítimas de feminicídio no Estado do Rio aumenta em vez de diminuir. Em relação a janeiro de 2023, houve 33% mais casos no primeiro mês deste ano, quando 12 homens mataram as suas próprias companheiras, em geral por ciúme, por considerá-las sua propriedade. Mulheres seguem sobrecarregadas e desvalorizadas de muitas formas.

Peço licença neste 8 de março, portanto, para compartilhar a minha gratidão ao feminismo negro, que tem contribuído enormemente ao longo da história do mundo e do nosso país para a transformação profunda dos valores da nossa sociedade, para que esta aprenda a ser sankofa, na superação dos graves erros do passado de modo a permitir outros futuros, e ubuntu, para tornar este mundo mais promissor, terno, justo, fraterno e acolhedor para as vidas que brotam de nossos corpos esperançosos.


*Renata Souza é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura, deputada estadual e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Alerj

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