Capital

Baía de Guanabara: MPF quer solução para navios abandonados

Quase um ano e dez meses após um navio colidir com a ponte Rio-Niterói, o Ministério Público Federal (MPF) cobra negociação capaz de encontrar soluções para embarcações abandonadas na Baía de Guanabara. Na última quarta-feira (21) o MPF divulgou nota anunciando que encaminhou à Justiça Federal pedido de audiência de conciliação com todos os envolvidos.

A instituição considera que há grave crise ambiental e de segurança. No começo do ano, ação civil pública chegou a ser ajuizada contra a União, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

O navio “São Luiz”, envolvido no acidente da ponte Rio-Niterói estava ancorado desde 2016. O choque ocorreu no dia 14 de novembro de 2022, por volta de 18h, levando a concessionária Ecoponte a interditar totalmente o trânsito. Avaliações de engenheiros constataram que os danos não foram estruturais.

Abandono de navios causam riscos com meio ambiente

A nota divulgada pelo MPF traz avaliação do procurador da República Jaime Mitropoulos sobre o cenário atual. “Essas embarcações representam um grave risco ao meio ambiente, à segurança da navegação e à saúde pública. A audiência é crucial para a resolução eficiente do caso, promovendo um possível acordo que possa acelerar o processo e garantir a proteção dos direitos coletivos envolvidos”, afirmou.

Segundo o procurador, a expectativa é de que a União e os órgãos ambientais concordem em elaborar um plano de gestão integrada, incluindo um cronograma de ações para resolver o problema.

61 navios abandonados

Quando ocorreu a colisão na ponte Rio-Niterói, a Marinha não informou se tinha algum levantamento sobre navios abandonados na Baía de Guanabara. Um mapeamento realizado em 2021 pela Universidade Federal Fluminense (UFF) contabilizou a presença de 61 cascos esquecidos. Eles ofereciam riscos ambientais e à segurança da navegação, devido à oxidação e ao possível vazamento de substâncias nocivas. Ambientalistas cunharam o termo “cemitério de embarcações” para se referir à situação.

De acordo com a nota divulgada pelo MPF, o artigo 225 da Constituição Federal e a Política Nacional do Meio Ambiente estabelecem a responsabilidade do Poder Público na preservação e combate à poluição. “A Marinha, através da Capitania dos Portos, e órgãos ambientais como Ibama e Inea, têm atribuições específicas para lidar com embarcações abandonadas. O panorama é agravado pela ineficiência na fiscalização e pela falta de cumprimento de normas internacionais sobre segurança marítima e gestão de resíduos”, ressaltou.

A Baía de Guanabara é declarada área de preservação permanente, o que significa que devem ser protegidos seus recursos hídricos, sua paisagem, sua estabilidade geológica e sua biodiversidade. Na ação, movida no início do ano, o MPF já havia defendido a necessidade de providências urgentes das autoridades competentes, incluindo Marinha, Ibama e Inea, para a remoção dos cascos. Também cobrou a implementação de diversas medidas para mitigar os danos.

Órgãos se manifestam sobre navios abandonados

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou, em nota, que não vê qualquer empecilho para o agendamento de audiência de conciliação, já que a solução negociada de litígios que envolvam direitos disponíveis é diretriz de atuação da instituição.

O Inea informou que realiza atividades de fiscalização e identificação das embarcações abandonadas, além de monitorar irregularidades no transporte aquaviário e atuar com ações de resposta a manchas de óleo sem identificação de origem na Baía de Guanabara.

O órgão afirma já ter indicado à Marinha dois servidores para auxiliar na elaboração de um plano emergencial de atuação coordenada e gestão integrada, visando a fiscalização e remoção de navios. “O Inea informa que está à disposição do MPF para atender a todas as demandas necessárias”, acrescentou.

Marinha diz que fiscalização é de responsabilidade da Capitania dos Portos

Por sua vez, a Marinha informou que a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro (CPRJ) é responsável pela fiscalização do tráfego aquaviário no interior da Baía de Guanabara e que não há embarcações à deriva.

“Os navios fundeados, visíveis ao norte da Ponte Rio-Niterói, estão todos em situação regular, guarnecidos por suas tripulações e aguardando condições operacionais, como vagas nos portos, troca de tripulação, novos contratos ou reparos. Cabe destacar que a CPRJ realiza inspeções periódicas nesses navios, visando identificar indícios de abandono ou descumprimento dos requisitos de segurança, de forma a exigir dos responsáveis o cumprimento das normas e legislações aplicáveis.”

Marinha diz que navios abandonados não teriam material perigoso ao meio ambiente

De acordo com o texto, em áreas próximas a Niterói e São Gonçalo, a Marinha identificou cascos em total ou parcial estado de afundamento e em avançado nível de deterioração. No entanto, informa que não há risco de movimentação, pois estão encalhados em áreas rasas.

As embarcações também não teriam material ou substância perigosa ao meio ambiente a bordo. “O mapeamento georreferenciado dos cascos soçobrados na Baía de Guanabara foi realizado em janeiro de 2023, com o apoio do Grupamento Aeromóvel da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Foram identificados 51 cascos soçobrados. Desde então, a CPRJ tem adotado iniciativas de coordenação interagencias para viabilizar a remoção”.

De acordo a Marinha, seis cascos já foram retirados e há um debate com diferentes autoridades públicas para se firmar um acordo de cooperação técnica para lidar com a questão. “A Marinha do Brasil continuará a zelar pela garantia da segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana no mar e a prevenção da poluição ambiental provocada por embarcações”, acrescenta o texto.

MPF quer reciclagem dos navios abandonados

Conforme ação movida no início do ano, o MPF quer que a Marinha apreenda e remova embarcações que representem perigo e que realize inspeções regulares para garantir a conformidade com normas de segurança e prevenção de poluição. Cobra ainda que o Ibama monitore as condições ambientais na Baía de Guanabara, com especial atenção aos impactos causados por navios abandonados. Além disso, reivindica que o Inea e a União se envolvam na elaboração de planos que visem solucionar o problema, assegurando a reciclagem das embarcações, conforme as melhores práticas.

“A falta de ação efetiva, até mesmo após a colisão do São Luiz, expõe a necessidade urgente de um processo estrutural mais coordenado e eficiente para prevenir e responder adequadamente a situações emergenciais e riscos ambientais”, diz nota divulgada pelo MPF. De acordo com a instituição, o episódio de 2022 evidencia a ineficiência do Poder Público em lidar com a questão.

Em um processo judicial, a remoção do navio São Luiz chegou a ser determinada, em setembro de 2021. A decisão se deu no âmbito de uma ação movida pela Companhia Docas do Rio de Janeiro. Na época, foi solicitada a condenação da empresa Navegação Mansur, responsável pela embarcação que colidiu com a ponte.

São Luiz é um dos navios abandonados

Relatórios incluídos no processo apontavam que o abandono do navia trouxe riscos à navegação, risco de poluição do meio ambiente e risco à vida humana. Segundo a Companhia Docas do Rio de Janeiro, a embarcação estava em completo abandono, e em avançado estágio de deterioração. Além disso, encontrava-se retorcida por inúmeros giros de 360 graus em torno de seu próprio eixo. A situação, incluindo o adiantado estado de oxidação das correntes que o prendiam ao fundo, já vinha gerando temor de que o navio pudesse se soltar e ficar à deriva, como acabou ocorrendo.

No processo movido contra a Navegação Mansur, a Companhia Docas do Rio de Janeiro cobrava uma dívida de quase R$ 6,7 milhões pelo uso da infraestrutura portuária. O próprio navio São Luiz é apontado como possível garantia do pagamento desses valores. A Navegação Mansur foi julgada à revelia: embora tenha sido intimada, a empresa não se manifestou no processo, sendo condenada a pagar a dívida e a remover a embarcação, o que não ocorreu.


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