A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Ziraldo discutem recuperação do mural do artista, produzido na antiga casa de shows Canecão, na Zona Sul da capital fluminense.
O espaço está em posse da universidade desde 2010. Atualmente, o local passa por reformulação. Entre as intervenções previstas está a restauração da obra monumental de 32 metros de comprimento.
“É um momento histórico, pois marca o início de um processo que há muito tempo buscamos concretizar”, afirmou Tarcísio Vidigal, do Instituto Ziraldo. Ele destacou que a recuperação do mural era uma grande preocupação do artista.
De acordo com a divisão de responsabilidades prevista na concessão do Canecão, cabe à concessionária Bônus-Klefer preservar o mural durante as obras e mantê-lo conservado após a inauguração do novo espaço de eventos.
A UFRJ, por sua vez, será responsável pelo restauro. Segundo a instituição, a obra está bastante danificada devido a intervenções feitas pelo antigo proprietário. A estimativa é que apenas cerca de 30% do mural original poderá ser recuperado.
“Esta é uma obra extremamente significativa para nós. Podemos colaborar muito para devolver ao público tanto o mural original, na medida do possível, quanto a reprodução em um espaço aberto e convidativo”, destacou a vice-reitora da UFRJ, Cassia Turci.
A empresa responsável por gerenciar a obra, G+P, elabora atualmente um relatório do estado do mural. O documento também trará ações de preservação durante a reconstrução do espaço. As obras devem começar nos próximos meses. A UFRJ será responsável por avaliar as estratégias de proteção propostas, além de fiscalizar a proteção do que resta do mural.
Enquanto isso, a Universidade elaborará e executará o plano de restauro e a definição de como a obra de Ziraldo será recuperada. Há possibilidade de se refazer a parte que foi destruída, ou de elaborar outro tipo de intervenção. É avaliado, por exemplo, o redesenho dos traços feitos pelo artista. O objetivo é dar uma ideia de como o mural era, sem necessariamente refazê-lo. Esta é uma estratégia recorrente em casos em que partes de murais são destruídas definitivamente.
A ideia é que a família e o Instituto Ziraldo possam contribuir nesse processo de recuperação, inclusive respeitando os desejos do artista, morto em abril de 2024. Há, por exemplo, uma farta documentação do mural, que incluem fotografias e outros registros. A documentação poderá contribuir com a elaboração do plano. Para isso, a Universidade e o Instituto devem elaborar um Acordo de Cooperação Técnica.
O mural é considerado um dos trabalhos mais relevantes de Ziraldo. A obra de 32 metros de comprimento e seis de altura foi produzida ao longo de seis meses em 1967.
A produção reinterpreta “A Santa Ceia”. O artista incorporou elementos emblemáticos da cultura carioca e brasileira, como os arcos da Lapa, malandros e boêmios. Referências religiosas, como a própria composição da ceia, a Arca de Noé e a serpente do Éden, também estão presentes.
Portinari e Picasso foram inspirações de Ziraldo, que optou por não retratar personagens comendo. Ele criou uma ode ao ato de beber e celebrar. Como foi produzido em meio a ditadura civil-militar, o mural foi inicialmente visto como transgressor e provocador. Por isso, recebeu críticas à época de sua inauguração.
A inauguração do Canecão aconteceu em 1967. Ao longo dos anos, o espaço foi se consolidando como a principal casa de espetáculos do Rio de Janeiro e do Brasil.
O local foi palco de turnês de alguns dos mais importantes artistas nacionais desde o final da década de 1960, além de cenário de gravações de discos emblemáticos da música brasileira. Maysa, Clara Nunes, Bethânia, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Toquinho e Cazuza gravaram no Canecão;
A casa de shows está localizada em um terreno pertencente à UFRJ. Em 2010, a posse do Canecão passou definitivamente para a universidade, após disputa judicial de mais de quatro décadas.
Em 2023, a UFRJ concedeu o espaço à iniciativa privada. O objetivo é viabilizar a reabertura e promover uma série de melhorias no campus Praia Vermelha, onde ele está localizado.
O contrato prevê, entre as contrapartidas pela concessão, a construção de um restaurante universitário, um centro cultural e um edifício acadêmico. A inauguração está prevista para 2026.
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