Capital
Entrevista

Tarcísio Motta: “Não vamos sair desse buraco insistindo na mesma turma”

O deputado federal Tarcísio Motta, pré-candidato à prefeitura do Rio, ressalta a força de uma aliança de oposição à gestão atual.

Compartilhe:
09 de outubro de 2023
Tarcísio Motta: “Não vamos sair desse buraco insistindo na mesma turma”
Tarcísio Motta ressalta o poder de uma frente ampla da esquerda no Rio.

O xadrez político carioca tem em seu jogo peças que chamam atenção pelos movimentos estratégicos que podem fazer a diferença. O deputado federal Tarcísio Motta, pré-candidato à prefeitura da capital, é um destes nomes. Confirmado pelo PSOL como o nome central de uma campanha forte, Tarcísio é enfático: “Nossa candidatura vai representar o desejo de mudança na cidade do Rio”.

Confira a entrevista com o Deputado Federal Tarcísio Motta

Conexão Fluminense – O PSOL escolheu o seu nome para a disputa à prefeitura do Rio. Quais serão os pilares da campanha? 

Tarcísio Motta: Nossa candidatura vai representar o desejo de mudança na cidade do Rio. Vamos provar que os problemas dos cariocas não serão resolvidos por aqueles que estão no poder há décadas, pois não vamos sair desse buraco insistindo na mesma turma que nos levou ao fundo do poço.

A cidade precisa de uma verdadeira revolução urbana com saúde pública de qualidade, trabalho digno, moradia popular e um sistema de mobilidade urbana gratuito que garanta ao carioca a liberdade de circular pela cidade sem ter que pagar tarifa ou passar por uma roleta.

A cidade também precisa de educação integral inclusiva, articulada à cultura e ao esporte, onde nenhuma criança ficará sem escola, nenhuma escola sem estrutura e nenhum profissional de educação sem direitos. Por fim, o Rio precisa urgentemente se adaptar diante da crise climática que já nos assola e proteger os cariocas que vivem em áreas sujeitas a inundações e deslizamentos. Continuar do jeito que está nos levará a tragédias cada vez mais dramáticas. Chegou a hora de governar com as pessoas que lutam todos os dias para sobreviver nessa cidade.

O Rio tem jeito e tem muita gente cheia de vontade de fazer isso acontecer. É com essas pessoas e movimentos que vamos tecer um novo amanhã. O cenário eleitoral é promissor. Com o Bolsonaro inelegível, prestes a ser preso, e sem um membro de seu clã como candidato, a extrema-direita carioca entrou em crise e se dispersou em diversas candidaturas. Alguns estão até procurando o colo do Paes, que parece estar disposto a abrigar parte da turma, como, por exemplo, a família Brazão, hoje investigada por seu envolvimento com o assassinato da nossa querida companheira Marielle. Mas tudo indica que teremos muito candidatos da extrema-direita, o que abre uma avenida para a esquerda carioca.

A eleição de 2024 será uma eleição de dois turnos. Basta olhar a quantidade de candidatos e fazer a conta. Nessa conjuntura eleitoral que se avizinha, é clara a tarefa dos cariocas que rejeitam a fúria fascista e não suportam mais essa política do ódio: precisamos derrotar a extrema-direita no primeiro turno, enquanto eles estão dispersos, brigando entre si para ver quem irá prevalecer. Não podemos permitir que eles se unifiquem em uma candidatura de segundo turno.

A luta contra o fascismo é no primeiro turno. A pior coisa que pode acontecer ao carioca é enfrentar um segundo turno só com candidatos de direita. Imagina a qualidade de um debate no qual, de um lado, você tem um bolsonarista raiz qualquer esbravejando mentiras para gerar pânico moral e, do outro, as turmas do Paes e do Crivella unidas em conluio para se manter no poder. Não podemos deixar esse pesadelo acontecer. O Rio merece mais. Só a esquerda irá pautar os temas que são caros aos cariocas. Quem mais terá a coragem de colocar os pingos nos is? Só a gente irá falar dos problemas que afligem as favelas, a Zona Oeste e o subúrbio.

Nosso compromisso é com o povo carioca. Como eu repito desde quando fui candidato a governador em 2014: “eu tenho rabo-de-cavalo, mas não tenho rabo preso com essa turma que está no poder”! A última pesquisa me colocou em segundo lugar, abaixo apenas do Paes, com quase o dobro de votos do terceiro colocado. E meu nome ainda não havia sido oficializado pelo partido. O jogo nem começou e já largamos bem. Estou muito animado.  

Conexão Fluminense: Você convidou Renata Souza e Glauber Braga para a coordenação da campanha. Chegou a hora de uma grande frente da esquerda em prol do Rio? 

Tarcísio Motta: Sem dúvidas! Queremos formar uma aliança programática com todos os movimentos e partidos progressistas do Rio que acreditam que outra cidade é possível. E essa aliança será construída em cima de um programa para o Rio. Não na base do “toma-lá-dá-cá”. Vamos rodar todos os cantos da cidade e conversar com todos os setores.

Tem muita gente boa fazendo muita coisa boa nessa cidade. O que falta é uma gestão municipal que dê ouvidos ao povo, escute as demandas de quem está sofrendo na ponta e valorize nossa diversidade. Nossa tarefa será juntar aquelas e aqueles que estão pensando soluções criativas para os problemas estruturais que afligem os cariocas.

Por isso, nossa pré-candidatura irá priorizar a construção de uma frente popular com movimentos sociais e se esforçará para articular essa aliança programática com PT, PCdoB, PV, PSB, PDT, Rede, PCB, PCBRR e UP.

Tarcísio Motta

“Queremos formar uma aliança programática com todos os movimentos e partidos progressistas do Rio que acreditam que outra cidade é possível”.

Tarcísio Motta, Deputado Federal


Conexão Fluminense: Seis anos após a instalação da CPI dos Transportes, na qual você teve participação efetiva, o Rio continua a enfrentar problemas. Como mudar este cenário?

Tarcísio Motta: Hoje o transporte coletivo do Rio é gerido por uma máfia que transformou o sistema de ônibus em uma corrida maluca atrás do lucro que eles extraem do bolso do trabalhador. Se falta ônibus em um determinado bairro, ou se um veículo está rodando quebrado, a prefeitura não consegue fazer nada.

Quando aplica uma multa, ela simplesmente não é paga pelos empresários que controlam o sistema. A sociedade pressiona o poder público, mas não vê melhorias. E porque as coisas chegaram a esse ponto? Ora, porque o Paes montou um modelo de contrato em 2010 que torna a prefeitura refém da máfia. Não é por acaso que hoje o Paes é réu em um processo de improbidade administrativa movido pelo Ministério Público que investiga as ilegalidades cometidas na licitação de 2010. Foi ele que colocou a raposa para cuidar do galinheiro.

Precisamos recuperar o controle público sobre a política de mobilidade e transformar o sistema municipal de ônibus, vans, VLT e bicicletas em um serviço gratuito e direito universal. Queremos tirar o sistema da mão da máfia que sempre lucrou em cima da passagem paga pelo carioca. A cidade precisa tratar o seu sistema de mobilidade da mesma forma que trata os serviços de saúde do SUS.

Isso irá reduzir o custo de vida na cidade, dinamizar a economia urbana e ampliar o acesso de todos os cariocas aos equipamentos públicos e bens comuns da cidade, como praias, parques e praças. Várias cidades no Rio, no Brasil e no mundo já estão adotando políticas de tarifa zero. Basta ter coragem para mudar.

Conexão Fluminense: O governo atual fala em progresso e transforma a cidade em um grande canteiro de obras. Ao mesmo tempo, o Rio perde arborização, o que sempre foi um ponto positivo da cidade. Como unir Meio Ambiente e urbanização?

Tarcísio Motta: O colapso ecológico global vai se impor sobre o debate eleitoral. E no nosso caso, essa pauta será incontornável. Trinta anos atrás o Rio sediou a Eco 92. Vinte anos depois, em 2012, o Rio sediou a Rio+20. Desde então, já se passou mais de uma década. E enquanto os desafios socioambientais aumentaram drasticamente, de lá pra cá, a prefeitura pouco ou nada fez. Hoje o Rio é uma das metrópoles mais vulneráveis a eventos climáticos extremos do mundo. Apesar de décadas de alerta, não estamos preparados para o que está por vir. A situação é dramática. Caso não agirmos logo, as condições de habitabilidade da cidade estarão em risco.

Aliás, todos os indicadores apontam que já estamos atrasados. De acordo com o último relatório da ONU, lançado no primeiro semestre desse ano, as temperaturas globais devem subir a níveis recordes nos próximos 5 anos, com mudanças no regime de chuvas em diversas partes do planeta. O que isso implicará para os cariocas que vivem em áreas sujeitas a inundações e deslizamentos? Como suportaremos as ondas de calor do verão? Estamos vivendo uma nova realidade planetária. O clima já mudou e a adaptação é urgente. É o futuro da cidade que está em jogo. É por isso que defendemos uma revolução ecológica para o Rio, focada em resiliência climática, soberania alimentar e transição energética. Em 2019, como vereador, presidi a CPI das Enchentes na Câmara do Rio. Foi um trabalho intenso que durou vários meses.

O relatório final, com mais de 500 páginas, apresentou 105 recomendações e sugeriu o indiciamento de 5 autoridades, entre elas, o então prefeito Crivella. Aprendi com essa experiência o que a Prefeitura deve fazer diante das catástrofes climáticas cada vez mais severas e recorrentes. Agora que virei deputado federal, estou propondo no Congresso uma Frente Parlamentar em apoio aos atingidos por enchentes e outros desastres socioambientais. O trabalho é incessante. Não paramos de estudar e nos preparar para os desafios que estão por vir.

O colapso ecológico global vai se impor sobre o debate eleitoral. E no nosso caso, essa pauta será incontornável.

Tarcísio Motta, Deputado Federal

Conexão Fluminense: A melhora na situação da Saúde e Educação no Rio de Janeiro passa por uma valorização dos servidores? Como você vê essa situação?

Tarcísio Motta: Aqueles que governam a cidade há décadas tratam as políticas municipais de saúde e educação como custos da prefeitura. É por isso que eles cortam o dinheiro das escolas e dos hospitais para fazer obras eleitoreiras e garantir seus cabos eleitorais. Mas nós sabemos que educação e saúde é investimento.

Cada real investido nos servidores que cuidam de nossas escolas e hospitais ajuda a corrigir erros do passado, a fomentar das nossas potencialidades presentes e a prevenir problemas futuros – o que, a longo prazo, até reduz os custos da prefeitura com a cidade. Nós apostamos na escola como instrumento para transformar nossa realidade. Queremos uma educação integral inclusiva que articule as políticas de esporte, arte e cultura aos programas de educação e envolva toda comunidade escolar – alunos, pais, funcionários e professores – na construção de programas educativos.

Pois não basta aumentar o horário da criança na escola. Mais do que o tempo em sala de aula, é a educação que deve ser integral. É preciso um currículo diversificado com profissionais valorizados e uma escola aberta à comunidade. No caso da Saúde, temos que superar essa ladainha das OSs, OSCIPs e OSCs, que terceiriza para o setor privado as responsabilidades do poder público. Está mais do que comprovado que esse modelo é caro e ineficiente. Desde seguiu esse caminho, a prefeitura se afogou em escândalos de corrupção. Nossa prioridade será defender o SUS e ampliar os recursos destinados à Saúde para garantir um plano de carreira digno para os servidores que estão na linha de frente, salvando vidas. É valorizando os profissionais que iremos melhorar o atendimento aos cariocas.

Vamos atuar nas duas pontas para acabar com a fila do SISREG nos hospitais e fortalecer os serviços de atenção primária, ampliando a rede de agentes comunitários de saúde nas favelas. E vamos fomentar o complexo industrial da saúde, aproveitando a Fiocruz e nossas universidades, para transformar o Rio no maior polo de inovação em saúde da América Latina. Precisamos aprender as lições da pandemia e deixar a cidade preparada para futuras crises.

Queremos investir em pesquisa e produção de vacinas, medicamentos, insumos e equipamentos de saúde. Isso vai gerar emprego, do trabalhador da construção civil até os cientistas dos laboratórios. Vai diminuir os custos da prefeitura. E vai melhorar a vida dos cariocas.