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Opinião

Niterói 449 anos: Capítulos da história de uma cidade que sabe sorrir

O aniversário de 449 anos de Niterói é tema da Coluna Conexão Histórica, escrita pelos historiadores Antonio Edmilson Martins e Luciene Carris.

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22 de novembro de 2022
Niterói 449 anos: Capítulos da história de uma cidade que sabe sorrir
Niterói, a linda cidade sorriso, completa 449 anos

Por Antonio Edmilson Martins Rodrigues e Luciene Carris

Com uma população estimada em 516.981 habitantes, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística publicados em 2021, a cidade de Niterói, no Leste Fluminense, completa 449 anos. Carinhosamente apelidada de “Cidade Sorriso”, muito em razão da famosa hospitalidade de seus moradores, a cidade possui uma história peculiar.

Para começar, a sua natureza exuberante é composta de 11 quilômetros de praias oceânicas como Camboinhas, Sossego e Itacoatiara rodeadas de montanhas que permitiram a construção de uma rede de trilhas como a do Costão de Itacoatiara que integra o Parque da Serra da Tiririca, bem como a Travessia Tupinambá entre os bairros de Charitas e Cafubá, entre tantas outras que atraem para lá moradores das regiões vizinhas e de outros lugares, além de turistas e os amantes de esportes ao ar livre.

Tudo isso combinado com uma grande rede de restaurantes como O Caneco Gelado do Mário, os bares do Mercado de São Pedro e o Seu Antônio no Cafubã pertinho da praia de Piratininga. Niterói é também lugar de criação de esportes quase radicais como o Surfe de Montanha em Itacoatiara e o jogo de praia da bola pesada nas areias de Icaraí.

A Niterói do passado ainda com linhas de bonde no litoral, mas com prédios nascendo na orla.

A origem da cidade remonta ao século XVI. Uma figura singular foi o líder indígena Arariboia, filho do cacique Maracajá-açu, que lutou contra a invasão dos franceses da colônia da França Antártica e se tornou o herói da Batalha de Uruçumirim na região do hoje Outeiro da Glória. Para a Coroa Portuguesa era necessário o estabelecimento de boas relações e de acordos com as lideranças indígenas, de modo a proteger seus domínios.

E, assim, o cacique Arariboia, também conhecido pelo nome português Martim Afonso de Souza, fundou em 1573 a aldeia de São Lourenço dos Índios. Em 1834, a aldeia foi alçada a categoria de cidade com o nome de “Nichteroy”, que significa água escondida na língua tupi-guarani, tornando-se a capital da província do Rio de Janeiro.

Caminhando pelo Centro, podemos observar a imponente estátua de corpo inteiro do cacique na Praça Arariboia ou Martim Afonso, perto do terminal hidroviário das barcas. A estátua foi especialmente construída para os festejos do IV Centenário da cidade ocorrido em 1973. Ao que parece, o líder indígena segue vigilante protegendo Niterói dos possíveis invasores da Baía de Guanabara.

Outros resquícios desse passado colonial são a Igreja de São Lourenço dos Índios, construída de pedra e cal originada de uma pequena capela de taipa construída pelos jesuítas em 1570 e reconstruída no século XVII e a Igreja de São Francisco Xavier, construída entre 1662 e 1696, que é um belo registro da arquitetura jesuítica em alvenaria de pedra e cal na Praia de São Francisco.

Outro aspecto interessante é o Complexo de Fortes, um conjunto de fortificações construídas ao longo da orla de Niterói como a Fortaleza de Santa Cruz, os Fortes de São Luiz e do Pico; de Imbuí; de Barão do Rio Branco, de Gragoatá e da Boa Viagem.

Este último é localizado numa pequena ilha do mesmo nome, onde se encontra também a Capela da Nossa Senhora da Boa Viagem. Devido ao seu isolamento, o local também foi usado para abrigar pessoas com doenças infectocontagiosas, além de ser a referência principal nos primeiros séculos da ocupação portuguesa na Baía da Guanabara para a entrada de naus e navios na barra das cidades de Niterói e Rio de Janeiro. Alguns desses fortes são abertos à visitação pública, e vale a pena uma visita.

O Museu de Arte Contemporânea, em Niterói. Uma das belas paisagens da cidade sorriso. Crédito: Diego Baravelli / Wikimedia

Tão perto da Ilha da Boa Viagem, a cerca de quinhentos metros, podemos contemplar o Museu de Arte Contemporânea ou simplesmente MAC. Inaugurado em 1996, a construção integra o chamado Caminho Niemeyer, um complexo fascinante de onze obras construídas pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer, que se estendem desde a Praça do Povo, no Centro, até a Estação Catamarã no bairro de Charitas. Ao longo de onze quilômetros encontramos, além do MAC, a Fundação Oscar Niemeyer, o Memorial Roberto Silveira, o Teatro Popular Oscar Niemeyer, a Praça Juscelino Kubitschek, a Reserva Cultural e a Estação Catamarã de Charitas. O conjunto arquitetônico insere a cidade de Niterói como a segunda cidade no mundo, depois de Brasília, que possui a maior quantidade de projetos construídos pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

Ao lado do esplendor arquitetônico, ainda encontramos vestígios de um passado bucólico dos pescadores de Niterói como o tradicional Mercado São Pedro de Peixes na Ponta D’Areia. Originalmente, o mercado se localizava na rua Visconde de Rio Branco, antiga rua Praia Grande, era uma construção toda em madeira, cujas dependências se estendiam pelo mar através de um cais flutuante, antes do aterramento que lá ocorreu na década de 1970. Outro recanto interessante é o bairro de Jurujuba, conhecido pela Festa de São Pedro, o padroeiro dos pescadores. Lá ainda é possível observar antigos casarios e embarcações na praia. O curioso nome do bairro significa “papagaios amarelos”, pois foram, assim, apelidados os franceses pelos indígenas durante o período colonial.

Talvez poucas pessoas se recordem, mas com a fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, Niterói deixou de ser a capital do Rio de Janeiro em 1975. Com isso, muitos órgãos públicos foram transferidos para o Rio de Janeiro. Aliás, neste mesmo, foi inaugurada a Ponte Presidente Costa e Silva, popularmente conhecida como Ponte Rio Niterói, que percorre a Baía de Guanabara. Até então, atravessar de carro era uma aventura, pois era realizada através de uma balsa que levava 54 veículos por vez ou ainda era necessária dar a volta na Baía, o que poderia levar até duas horas.

A construção da Ponte Rio-Niterói evitou o transporte de carros em balsa ou o contorno da Baía de Guanabara. Crédito: Agência O Globo.

Outros personagens interessantes fazem parte da história de Niterói, como o músico Sérgio Mendes, conhecido por difundir internacionalmente a bossa nova, o samba e a música popular brasileira. Uma outra figura interessante foi a ex-primeira-dama Nair de Teffé, esposa do presidente Marechal Hermes da Fonseca, que já viúva, passou a viver de maneira bem discreta com seus filhos adotivos, abandonando o passado como desenhista e cartunista, bem como as conhecidas festas no antigo Palácio do Catete.  A perda mais recente foi ator e humorista Paulo Gustavo, então homenageado com um nome de rua e estátuas no Parque Prefeito Ferraz, mais conhecido como Campo de São Bento, o principal parque público, um local importante de lazer e de sociabilidade para os niteroienses, especialmente aos finais de semana.

Não é demais destacar ainda que as políticas públicas de inclusão fizeram da cidade de Niterói, “irmã” de Havana em Cuba, em especial, devido à vanguarda na implementação do programa médico de família. As políticas adotadas fomentaram um clima de liberdade e de participação da população, que lhe deram o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região.

A Niterói do passado se transformou em uma cidade com ótimos índices de Desenvolvimento Humano.


Luciene Carris é pesquisadora e historiadora formada pela UERJ. Autora do livro “Histórias do Jardim Botânico: um recanto proletário na zona sul carioca (1884-1962)” (Telha, 2021), entre outros. Instagram: @lucienecarris

Antonio Edmilson Martins Rodrigues é historiador e professor da UERJ e da PUC-Rio. Autor de “A costura da cidade: a construção da mobilidade carioca” (Bazar do Tempo, 2016); “João do Rio: a cidade e o poeta: o olhar de flâneur na belle époque tropical” (FGV, 2000), entre outros. Facebook: Antonio Edmilson Rodrigues