Opinião

Da glória à crise – A agonia de um Rio de Janeiro estratégico

*Por Marcos Luz

Centro do poder e da inovação no país, o Rio de Janeiro — sede da corte portuguesa e das capitais imperial e federal — foi por décadas o coração político, econômico e cultural do Brasil.

Nosso Estado teve um papel fundamental na construção da identidade brasileira, sendo um dos mais influentes na Cultura, na Economia e no Esporte. A relevância é fruto do seu passado como capital federal.

Celeiro cultural em diversas áreas, o Rio, considerado berço da bossa nova, do samba e de grandes movimentos artísticos, torna-se responsável e pioneiro pelas expressões culturais que projetaram o Brasil mundo afora. O Carnaval, um dos maiores espetáculos da terra, movimenta a enorme cadeia produtiva do Turismo e da geração de empregos.

No Esporte, sinônimo de paixão e tradição, destaca-se o fato histórico do Rio de Janeiro ter sido a cidade escolhida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para receber a primeira edição olímpica da América do Sul. Os Jogos Olímpicos de Verão, realizado em 2016, registraram em apenas 15 dias, quatro milhões de visitantes.

No entanto, o Rio de Janeiro ‘joga nas 11’ nesta partida que define o resultado de setores importantes como Petróleo e Gás, Indústria Naval, Turismo e Serviços. Economicamente falando, sempre tivemos a presença de grandes empresas e a importância dos nossos portos como alicerces do papel estratégico.

No entanto, a antiga capital da República, em algum momento, saiu dos trilhos e entrou em uma longa trajetória de decadência política, econômica, institucional e social.

Apesar de ainda abrigar importantes ativos estratégicos para o Brasil, o Rio de Janeiro foi gradualmente perdendo seu protagonismo.

O enfraquecimento das estruturas produtivas, a perda do mercado financeiro, o colapso fiscal, a corrupção sistêmica, aliada à violência descontrolada, transformaram o Rio de Janeiro, antes um dos estados mais ricos do mapa territorial, a um exemplo a não ser seguido da má gestão e do péssimo uso dos recursos estaduais.

Vale ressaltar que o declínio do Rio de Janeiro tem origem na mudança da capital federal para Brasília. O Rio perdeu o status político de capital, mas permaneceu com o ônus administrativo da burocracia federal.

Tanto que, em 1975, o governo militar alegando economia, promoveu a fusão entre o Estado do Rio e o antigo Estado da Guanabara. O que se seguiu foi um aumento das tensões políticas e administrativas, além da concentração urbana caótica e da ampliação das desigualdades.

Enquanto Brasília recebe bilhões de reais da União por meio de um mecanismo financeiro criado pela Constituição Federal garantindo recursos para a manutenção e a organização da Segurança Pública a fim de executar serviços públicos nas área de Educação e de Saúde — o chamado Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) — o Rio de Janeiro, diferente disso, jamais recebeu qualquer compensação financeira ou institucional por abrigar a sede do poder nacional durante muitos anos.

Os prédios, as repartições públicas e a legião de funcionários federais que permaneceram no Estado continuaram a consumir recursos, sem que isso represente qualquer vantagem econômica para os fluminenses.

Os anos 80 marcam o início da perda de dinamismo econômico. A crise da dívida externa, a inflação descontrolada e a estagnação da economia brasileira atingem em cheio a indústria fluminense. Regiões como a Baixada Fluminense, o Vale do Paraíba e o Norte Fluminense que, antes eram polos industriais e agrícolas, passam por um processo lento de empobrecimento.

É nesse período também que São Paulo consolida sua hegemonia como centro financeiro do país. O mercado de capitais, os bancos privados e as grandes seguradoras migram suas sedes para a capital paulista, atraídas por um ambiente de negócios mais estável e menos contaminado pela instabilidade político-institucional do Rio. A cidade, que já fora sede da Bolsa de Valores do Brasil, perde relevância e acaba engolida pela força paulista.

O crime transforma

A década de 90, marcada pelo aumento da violência urbana é impulsionada pelo crescimento do tráfico de drogas nas favelas cariocas. A ausência do Estado nessas comunidades permite o fortalecimento e a multiplicação de facções criminosas. A guerra pelo controle territorial transformou a capital fluminense, naquele momento, em um dos lugares mais perigosos do país. Com isso, o Rio passa a viver uma verdadeira guerra urbana.

As promessas de revitalização, projetos e investimentos falham em resolver os problemas estruturais. A ineficiência da máquina pública e a fragmentação da gestão metropolitana agravam o cenário.

Vem os anos 2000. Com ele o ilusionismo dos royalties de petróleo e o crescimento artificial. O Rio de Janeiro experimenta um breve período de otimismo. O Estado volta a crescer impulsionado pela cadeia de óleo e gás, principalmente nas regiões de Macaé, Campos dos Goytacazes e Itaboraí. Grandes eventos internacionais, como o Pan-Americano, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, trazem investimentos e colocam o Rio novamente no centro das atenções.

Contudo, esse ressurgimento se revela frágil e enganoso. Os recursos do petróleo foram mal administrados, investidos em obras faraônicas sem sustentabilidade ou drenados por esquemas de corrupção.

Para se ter uma ideia, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), atualmente chamado de Polo GasLub Itaboraí, que prometia ser o maior complexo petroquímico da América Latina, tornou-se um símbolo do abandono e da má gestão pública.

A partir de 2014, com a queda do preço do petróleo, a arrecadação do Estado despenca e em paralelo, os escândalos de corrupção surgem de forma incessante.

Logo depois o Estado adere ao regime de recuperação fiscal, condição que obriga o congelamento de salários e proíbe novos investimentos em troca da suspensão de dívidas com a União. No ano seguinte, o colapso da Segurança Pública leva à intervenção federal no Rio, fato inédito desde a redemocratização.

O Rio de Janeiro se torna a síntese de um Estado falido, corrupto e dominado por forças paralelas.

Apesar do cenário desolador, nosso Estado ainda possui vantagens competitivas que o mantêm entre os mais relevantes do país. Porém, o problema não é a falta de potencial. É a ausência de um projeto de desenvolvimento.

Mais de 80% da população do Estado está concentrada na Região Metropolitana e no interior fluminense rico em biodiversidade, recursos naturais, cultura e agricultura acaba sendo colocado em segundo plano nas políticas públicas.

A força do interior

A promoção de polos regionais em cidades como Campos dos Goytacazes, Petrópolis, Nova Friburgo, Volta Redonda, Resende e Itaperuna pode diminuir a pressão sobre a capital e gerar empregos de maior qualidade. Incentivos fiscais, infraestrutura logística e formação técnica são caminhos para integrar a capital ao interior e assim recuperarmos nosso estado e contribuirmos ao desenvolvimento nacional.

Mas também é preciso acabar com uma grande injustiça. Enquanto Brasília, que nunca foi produtora de riquezas, virou dependente da União, o Rio de Janeiro, que serviu ao país por séculos, jamais foi indenizado.

As próximas eleições se aproximam e serão cruciais para o Rio de Janeiro. O futuro governador precisará combinar austeridade fiscal com políticas de desenvolvimento, reindustrialização, inclusão social e segurança pública.

Mais do que um plano de governo, o Rio de Janeiro precisa de um projeto de Estado, com metas de longo prazo e uma visão integrada do território fluminense.

E neste caminho, é necessário incluir nossa política nas pegadas que o Rio de Janeiro precisa dar. Votaremos para renovar nossa bancada no congresso e precisamos de congressistas capazes e dispostos a lutar pelo Rio de Janeiro.

Mas também teremos eleições presidenciais e quem for eleito precisa ter a consciência que a decadência do Rio de Janeiro não é apenas um problema estadual. É também um reflexo das falhas do federalismo brasileiro e da omissão histórica da União. É necessário discutir um fundo de compensação histórica para nosso Estado.

O Soft Power do Rio continua em alta e nosso Estado ainda tem muito a oferecer ao país. Mas precisa de um pacto federativo justo, de lideranças competentes e de políticas que priorizem o desenvolvimento sustentável, o equilíbrio regional e a justiça social.

Em vez de tratar o Rio como um caso perdido, o Brasil precisa reencontrar nesse Estado a alma de sua história e talvez a chave de seu futuro.

O Rio de Janeiro precisa reencontrar seu caminho e o Brasil precisa do Rio.


*O empresário Marcos Luz é presidente do Conexão Fluminense

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