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Danilo, o herói que não deixou de ser menino

O craque do Flamengo, orgulhoso de sua história de vitória, ressalta suas origens e entra pra história do rubro-negro

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03 de dezembro de 2025
Danilo, o herói que não deixou de ser menino
Danilo marcou o gol do título do Flamengo na Libertadores. Crédito: Gilvan de Souza / Flamengo

*Por Marcos Vinicius Cabral

Quando a bola foi um roteiro de uma vida no escanteio cobrado por Arrascaeta, Danilo subiu como quem ainda sente no paladar a mordida no pão quente e o gole do café preparados pela mãe Maria José, a Zezé. Aquele ritual matinal — quase uma oração — o acompanhava desde os tempos em que saía cedo de casa para treinar no Tupynambás, em Juiz de Fora. A fome de alimento, de futuro e de bola era a mesma.

No instante em que marcou o gol único nos 90 minutos mais preciosos da Libertadores e correu para comemorar, Danilo, intrepidez de menino, não viu Léo Pereira tropeçar atrás dele. Com o semblante fechado de quem conhece bem o peso do próprio caminho, parecia fugir não dos abraços dos companheiros, mas da vida dura, do desânimo e das incertezas que um dia enfrentou quando sonhava dar uma vida mais digna aos pais, lá na pequena Bicas, interior de Minas.

O gol — essa operação precisa que salva vidas no gramado — trouxe à tona uma lembrança guardada. A de que, numa tarde qualquer, sentado na escada do sítio, Danilo — herói improvável que deu ao Flamengo o tetracampeonato — perguntara à mãe quais eram os seus sonhos. “Nem era possível sonhar”, respondeu Zezé.

A frase, curta e dolorida, voltou inteira à memória no segundo exato em que a rede balançou. O menino virou homem mais uma vez: o jogador incansável virou defensor, e o autor do único gol da partida transformou-se em herói ao se atirar aos pés de Vitor Roque, um menino verdinho como Danilo um dia foi.

Mas há o gol. Há os segundos que mudam histórias. Que transformam vidas. Que arrancam sorrisos e lágrimas quando a bola, maliciosa, encontra o fundo do gol.

O futebol – esse terreno fértil de promessas, paixão e entrega – segue sendo o palco onde meninos sonham, crescem e, às vezes, salvam o dia.

Enquanto a arquibancada do Monumental – tomada pelo mar rubro-negro que pulsa como um único organismo – se afoga na dor do mergulho mortal de Danilo, a esperança surge como um fio teimoso que ousa atravessar o silêncio. Qualquer ruído além disso é a própria vida escapando pela pele, é o grito preso na garganta rasgando caminhos, é a felicidade desgovernada atropelando os batimentos cardíacos.

O coração, calejado por derrotas que o tempo não cicatrizou, carrega sonhos partidos, esfarelados como castelos de areia que o mar devora sem piedade.

E, mesmo assim, esperança e determinação se levantam do chão, se entreolham, respiram fundo e jogam juntas – desafiando sombras, encarando adversários invisíveis que insistem em rondar como fantasmas famintos.

Porque naquele instante, quando tudo parece ruir, é justamente ali que o futebol decide revelar sua natureza trágica e divina: a queda, o abismo e, quem sabe, a redenção.

Embora a pandemia tenha trazido medo, confinamento e mudança de hábitos, Danilo decidiu que era preciso fazer algo. Esqueceu o menino. Lembrou-se que era homem.

E fez!

Nascia A Voz Futura, projeto que se tornou canal de notícias, entretenimento e educação dedicado a exaltar as culturas, as conquistas e as narrativas das favelas e comunidades.

Contudo, o camisa 13 do Flamengo quis mais. Mais do que informar, o projeto busca transformar. Tanto que ganhou um tentáculo pedagógico, oferecendo cursos como letramento racial e educação socioemocional, construindo caminhos para que jovens e crianças compreendam o mundo – e a si mesmos – com mais consciência e potência.

“Meu sonho é, daqui a dez anos, olhar para a galera que passou pelo projeto e enxergar que tipo de ser humano eles se tornaram. Ver que deu certo, que o ser humano tem jeito”.

A frase, dita por Danilo com a simplicidade de quem acredita no que planta, revela seu desejo mais profundo: devolver às crianças o direito de sonhar. Sonho que Zezé não teve e ele nos deu com o gol de um herói que não deixou de ser um menino.

Um menino que brincou, fez gol e correu feliz da vida sobre o chão verde do Estádio Monumental”.


*Marcos Vinicius Cabral é jornalista

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