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Dia das mães

Maternidade atípica: o amor presente em cada passo

Para celebrar o Dia das Mães conversamos com mães atípicas e uma educadora parental. Um olhar profundo sobre a maternidade atípica.

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12 de maio de 2024
Maternidade atípica: o amor presente em cada passo
Silvana com Gabi, Claudia com Matteo e suas irmãs, Amanda com Bento: histórias da maternidade atípica.

A maternidade atípica é um convite à desconstrução. Essa definição da educadora parental Priscilla Montes, pós-graduanda em Neurociência e Desenvolvimento Infantil pela PUC-RS, é norte quando falamos sobre esse assunto que nunca esteve tão em debate.

O cenário mudou e atualmente a maternidade atípica é vista com menos tabu e mais profundidade, mas ainda há muito o que melhorar. É preciso mais respeito, mais acessibilidade, mais sensibilidade, mais amor.

Amor! Isso é o que não falta nas mamães que param o mundo para cuidar de crianças que enfrentam cotidianamente desafios que vão além da rotina casa-escola-casa. A maternidade atípica exige uma entrega além dos limites.

Para homenagear mamães que praticam essa luta todos os dias conversamos com três exemplares mulheres. Aqui você confere um pouquinho de como elas enxergam o mundo da maternidade atípica lá de dentro do olho do furacão.

Cláudia, mãe de Matteo, de seis, Giovana de dez e Antonella de quatro anos

Era a segunda maternidade de Claudia. Matteo nasceu saudável em 19 de março de 2018. Dois meses depois, em 20 de maio, tudo mudou. O pequeno foi levado à emergência com princípio de pneumonia e durante a espera de quarto para ser internado broncoaspirou e teve uma parada cardíaca.  

Este cenário afetou vários órgãos da criança e o levou a ficar 14 dias em ECMO. Era a última chance de vida e ele agarrou com força. Depois de meses de UTI a alta com o diagnóstico de lesão cerebral com atraso neuro-motor significativo, lesão medular e cirrose hepática.

“Uma nova vida começou a partir disso tudo, mas sempre com a certeza que tudo daria certo. Pois o meu único desejo nesses 4 meses era poder levar meu filho de volta para casa, e eu trouxe”, conta Claudia.

E a vida preparava uma surpresa para esta família. Uma semana depois da esperada alta veio a notícia arrebatadora. Claudia estava grávida. Como ela mesmo define: Antonella veio para cuidar, amar e ajudar a desenvolver Matteo.

O que é ser mãe? O que significa o Matteo? “Ser mãe é sentir o amor de Deus, é ter coragem e força mesmo quando tudo parece estar esgotado. É sobre querer a felicidade do seu filho em primeiro lugar, é sobre amar alguém, muito mais do que a si mesmo. O Matteo é a minha vida! Ganhei de Deus o melhor professor de vida, aquele que mesmo tão pequeno me ensinou a ser forte, corajosa e a viver um dia de cada vez. Me ensinou a enxergar a vida com outros olhos. Me ensinou a ser uma pessoa melhor! Me ensinou que juntos e com amor podemos superar tudo!  Ele me mostrou que não importa quantos momentos difíceis teremos, não importa a deficiência, não importa a condição, a vida é para ser vivida e jamais lamentada. O Matteo é o meu coração fora do peito”.

Os desafios da maternidade atípica. “Estamos engatinhando não somente sobre a acessibilidade, mas também sobretudo relacionado as pessoas com deficiências. O mundo precisa de mais informações para aí sim perceber que precisamos de muitas coisas e que temos os mesmos direitos. Como vão pensar em acessibilidade se não nos enxergam? Se não conhecem as nossas dificuldades e direitos?

É preciso começar educando, ensinando. Muitas famílias atípicas ainda deixam de sair ou fazer algo com medo do que possa enfrentar, do que os outros vão dizer, dos olhares recebidos e isso também acaba atrapalhando a chance das pessoas conhecerem a nossa realidade e a chance de fazer com que aprendam sobre as diferenças. A informação é essencial para o caminho da acessibilidade, ela sim pode mudar e melhor muita coisa. Com a informação podemos construir um novo mundo para todos, onde todos somos diferentes e tudo bem!”

Um recado para mamães atípicas. “Eu sei que a maternidade atípica não era a que a gente sonhava e idealizava, mas isso não significa que agora não podemos mais sonhar e realizar tudo de uma forma diferente. E essa forma diferente não significa algo ruim, apenas precisamos reorganizar a nossa rota e mudarmos algumas perspectivas para continuarmos sonhando. Os sonhos mudaram sim, mas continuam sendo sonhos. E não podemos nunca deixar de sonhar.

Nenhum diagnóstico tem o poder de decidir se seremos felizes ou não. Ele pode tirar expectativas que tínhamos de algo que nunca vivemos, mas a opção de ser feliz sempre será nossa! A nossa jornada atípica só muda quando somos capaz de enxergar a beleza, a riqueza e o propósito da nossa maternidade.”

Amanda e o pequeno Bento de quatro anos

Amanda é uma mãe apaixonada por seu menino. Isso reflete na forma orgulhosa como fala do pequeno guerreiro. Ela recebeu no teste do pezinho de Bento o diagnóstico de deficiência em G6PD e ali começaria a estrada da maternidade atípica.

Foram meses de luta por um diagnóstico em dias de ignorância médica e muita percepção por parte de uma mãe que sabia perceber que alguns comportamentos eram dignos de alerta.

O diagnóstico de transtorno do espectro autista veio depois de rigorosos testes feitos por três neuropediatras quando Bento tinha entre 1 ano e seis meses e 1 ano e oito meses. O laudo veio com a sensação de finalmente ter voz.

“Esse ano Bento faz 5 anos e tem se desenvolvido bem, segue com hiperfoco em dinossauros e apaixonado pelo Flamengo, tem um cão de suporte emocional que ajuda nas crises e momentos de ansiedade, ama praia e piscina e seguimos com nossa rotina intensa de terapias, médicos, passeios buscando sempre adaptações de acordo com a demanda que Bento apresenta”.

O que é ser mãe? O que significa o Bento?

“Ser mãe é a fase mais bonita e difícil da vida, mas eu hoje não me imagino de outra forma. Ser responsável por outra vida, que vai sofrer consequências de todas as minhas decisões, que precisa de mim pra aprender, pra se defender… não é fácil mas o retorno e a experiência são incríveis. Eu faço coisas pelo Bento que nunca imaginei. Ele mudou tudo na minha vida, virou de cabeça pra baixo desde a gestação. E me ensinou coisas demais, eu nem sabia que dava pra amar tanto alguém. Bento deu um sentido novo pra minha vida, ele é minha força”.

Os desafios da maternidade atípica. “O cenário é bem caótico, precisamos brigar por direitos todos os dias, esbarramos em barreiras demais em todos os níveis de relacionamento social. Faltam políticas públicas, faltam fiscalizações que façam valer os direitos já conquistados, faltam profissionais capacitados, falta respeito da sociedade com as demandas dos nossos filhos, falta tempo pra gente. É preciso conscientizar sobre inclusão, sobre adaptar espaços, sobre acolhimento e saúde mental. Parece clichê mas as famílias atípicas lutam todos os dias por coisas simples como vaga em escola, atendimento médico de qualidade e um pouco de empatia dos demais.”

Um recado para mamães atípicas. “Não desistam dos seus filhos, busquem apoio nos seus pares, não enxerguem diagnósticos antes de pessoas. O diagnóstico serve como ponto de partida para entendermos o motivo das diferenças, para tratarmos atrasos e comorbidades, mas ali é o seu filho, e ele é muito mais do que isso. Precisamos buscar direitos e estímulos sem esquecer que eles precisam também de lazer, brincadeiras, apoio e carinho, levando em consideração a individualidade de cada um, sem comparações. Cada ser humano é único. E sigam se ajudando, uma mãe ajuda a outra.”

Silvana e a mocinha Gabi, de 14 anos

Fibrose cística. Essa doença carrega com ela uma exaustiva luta pela vida que vai além da rotina de visitas a médicos, internações e realizações de exame. O tratamento requer uma terapia com a utilização do remédio Trifakfta que custa R$ 22 mil reais por mês.

Foi a esse mundo que Silvana foi apresentada quando Gabi tinha apenas três meses. A doença ataca as células produtoras de secreções. Os fluidos se tornam espessos e começam a aderir diversos órgãos. Sistemas digestivo e respiratório são severamente afetados.

Hoje, 14 anos depois, Silvana celebra a vitória de ter conseguido na justiça o direito de ter o Trikafta comprado pelo Sistema Único de Saúde, mas não foi fácil. A batalha travada com a apresentação de uma pilha de documentos só não era maior do que a luta pela saúde da filha que estava na fila de transplante pulmonar e usava suporte de oxigênio 24 horas por dia em casa.

A criatividade e garra de Silvana para criar “vaquinhas” na internet combinou com a solidariedade de conhecidos e desconhecidos e ela conquistou o direito ao remédio que “salva” a sua filha. Mas nada disso seria possível se Gabi não lutasse pela vida. Ela lutou e venceu.

O que é ser mãe? O que significa a Gabi? Deus escolhe as mães especiais, somos diferenciadas, não por sermos melhores que as outras mães mas porque ele assim que nós escolhem ele nos capacita! Nada é fácil, nem vai ser, o coração de uma mãe atípica bate muito mais forte, pelos medos, inclusive o medo de não ser suficiente! Somos extraordinárias, heroínas e guerreiras, nossas asas protege, cuida, e é isso que Deus quer de nós! Que sejamos o amor dentro dessa palavra tão pequena chamada Amor!

Os desafios da maternidade atípica. Nós nos encontramos em um País que infelizmente não tem todo suporte para nossos anjinhos e o que podemos fazer pra mudar isso?! Lutar, dia após dia pelos nossos direitos, temos que fazer barulho, sermos ouvidas e mudar esse cenário! Todas as coisas que temos até aqui é fruto de alguma mãe que lutou lá atrás pra ter nossos direitos garantidos! Precisamos lutar pra manter o que conseguimos e brigar por mais ! Não é como tem que ser mas podemos fazer a diferença!

Um recado para mamães atípicas. Sejam mães, mas sejam mulheres tbm, se cuidem, se amem, não se anulem! Precisamos estar de pé pra mostrarmos que sim, somos especiais! Faça um pouco cada dia por você, faça uma unha, um cabelo, malhem nem que seja em casa, mas se cuidem ! Eu como mãe atípica sei bem como é só cuidar e esquecer de mim! Tenho certeza que muitas aqui sequer se olha no espelho, não se reconhece, mas olhem pra mulher que vocês foram um dia! Nossos filhos precisam nos ver bem e felizes com nós mesmas, é difícil, sim é, mas tentem e vcs vão ver como tudo fica mais leve! Se um dia perguntarem para os nossos filhos, qual o presente eles queriam nos dar, com certeza seria que gostariam de nos ver felizes ! Feliz dia das mães meninas lindas.

Educação parental e a maternidade atípica

Os desafios da luta da maternidade atípica em muitos casos apontam para uma presença efetiva da rede de apoio, desde que os integrantes saibam como se comportar diante desta montanha-russa.

Mas como fazer tudo isso na maternidade atípica? Nós conversamos com Priscilla Montes, educadora parental certificada pela Positive Discipline Association (PDA) e pós-graduanda em Neurociência e Desenvolvimento Infantil pela PUC-RS. Priscilla é mãe de um pequeno menino.

A Educadora Parental Priscilla Montes. Crédito: Flavia Martins Fotografia

“A maternidade atípica é um convite. Quando a gente tem um filho atípico, neuroatípico ou não, quando a gente bota um ser humano no mundo, tem um ser humano que a gente precisa cuidar. Uma criança, a gente bota muita expectativa naquele ser humano, nas nossas expectativas. Por isso que eu falo que a gente tem que sempre buscar conhecimento e ter as expectativas alinhadas. Porque a gente projeta, as nossas expectativas, as nossas dores, tudo o que a gente espera, com base na nossa história, na criança que vai nascer, nessa criança que está vindo para a gente”.

A educação parental é um dos caminhos procurados neste caso. Sua linha de trabalho se norteia pela participação de um profissional especializado para orientar mães e pais sobre a prática de hábitos adequados na criação dos filhos.

Então, na verdade, ela é um convite à desconstrução. Seja neuroatípica, seja não neuroatípica, qualquer ser humano que venha para a gente, ela é um convite, é uma desconstrução. E por isso que a gente precisa sempre buscar embasamento para educar, não educar através de crenças populares. Porque quando a gente educa através de crenças populares, a gente repete um ciclo violento.

A gente precisa ter embasamento, precisa educar os nossos filhos com base em embasamento, com base em neurociência, com base em todos os estudos que já estão aí à nossa disposição. E quando a gente tem uma criança neurotípica, a gente vive o luto da criança que a gente idealizou e a gente vive de qualquer maneira, porque a gente sempre bota a expectativa e projeta no outro a nossa felicidade ou a nossa frustração. A gente precisa mais ainda se letrar, precisa mais ainda buscar conhecimento. Agora, o respeito, a educação com base na não violência, a comunicação assertiva, a empatia, isso é para todos, independente da condição ou não. Então é esse olhar que a gente tem que dar para a infância”.

Os pais e o bullying. “Esse cenário do bullying, principalmente nas escolas, ele é um cenário que, graças a Deus, já está ganhando espaço. As pessoas já estão procurando entender mais, já se fala mais sobre isso. Cada vez menos vira um tabu e é muito importante a gente olhar para isso com olhos, com olhos de curiosidade. Sem as nossas crenças populares, estudando, entendendo que pais e escolas têm que trabalhar em conjunto. É uma responsabilidade conjunta. E quanto mais escola e pais são rede de apoio, mais as crianças têm a ganhar.

Agora, é muito importante a gente entender que a criança leva para as escolas e para a sociedade o que ela aprende em casa. Então, a gente diz que o bullying começa dentro do nosso próprio lar. Como a gente trata essa criança? Como a gente a valida? Ela é invisível dentro do nosso lar? Ou ela é visível dentro do nosso lar? Ela tem opinião? Ela pode dar opinião? Eu escuto o que ela sente? Ou seja, eu entrego para ela que o amor não é violência? Não é machucar o outro? Então, a questão do bullying começa dentro do nosso lar. Que é o primeiro modelo de sociedade que a criança conhece.”

De mãe, para mães: a quebra da idealização. “Eu idealizei um filho que não nasceu, e não haveria de nascer por quê cada ser humano é único! A gente projeta naquele ser humano as nossas angústias, as nossas felicidades, e com uma boa intenção, obviamente. Mas quando a gente projeta, vive esse luto, e não se abre para desconstrução, a gente já faz com que os nossos filhos nasçam em dívida de nos fazer feliz. Então eles já nascem com dívida, porque eu criei expectativa, a minha criança não atendeu a minhas expectativas, porque não haveria de atender mesmo, mas eu vou tratar ela com violência, eu vou tentar deixar ela dentro da caixa, eu vou exigir obediência cega.

Então, é muito importante a gente ter auto compaixão com a gente, com o nosso processo, principalmente no puerpério, principalmente quando a criança nasce. É um momento difícil, hormônios aflorados. É muito difícil, tem a cultura da sobrecarga materna, existe, é cultural, é patriarcal, a gente passa por isso, então a gente precisa ter auto compaixão com a gente, com esse processo como um todo, mas a gente precisa também entender que os filhos são convite para a mudança, e se o filho não mudar a vida da gente, eu não sei mais o que muda, porque eles vêm para isso, para mexer nas nossas estruturas e tirar a gente do conforto.

Então, eu vivi muito isso e comecei a minha carreira, comecei a minha trajetória por conta disso. Meu filho veio para me fazer um convite, não só mudou a minha vida pessoal, quem eu sou, a maternidade que eu queria dar para ele, como a minha vida profissional.

Então, a dica que eu dou é essa, é a gente entender esse luto que a gente vive, esse soco no estômago que a gente toma, esse susto que a gente toma quando a criança nasce, que a gente vê que a gente não tem controle de nada e seguir em frente para a desconstrução, está aberta a educar, mas com embasamento.”


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