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Artigo: Charmoso, mas sem valor. A mudança necessária no futebol carioca

Claudio Pracownik e J.R.Pisani, especialistas em negócio do esporte, falam sobre a recuperação do valor do charmoso futebol carioca.

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28 de abril de 2022
Artigo: Charmoso, mas sem valor. A mudança necessária no futebol carioca
Bola e Taça do Campeonato Carioca no segundo jogo entre Flamengo e Fluminense. Crédito: Paula Reis / CRF

*Por J.R. Pisani e Claudio Pracownik

Campeonatos regionais vêm perdendo seu charme, mas o Campeonato Carioca ainda guarda no clubismo uma chama resistente e valiosa: a paixão do seu torcedor e o fato dele conviver diariamente com os torcedores rivais pode ser um ativo valioso para muitas marcas. É preciso, no entanto, construir um produto diferenciado que estimule, de forma saudável, essas rivalidades e, ao mesmo tempo, crie um valor comercial atraente para o mercado de patrocínios.

Ao todo, 62 equipes militam nas cinco divisões que compõem a pirâmide do futebol carioca. Além delas a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) conta com outras centenas de clubes embaixo do seu guarda-chuva. Clubes profissionais, amadores e equipes de ligas municipais compõem o universo do futebol carioca espalhados por todo o estado. Enquanto as competições nacionais e continentais prendem cada vez mais a nossa atenção, o bairrismo diário dos estaduais parece estar cada vez mais marginalizado e desinteressante para torcedores e patrocinadores.

Todo esse cenário faz com que um Bangu x Flamengo ganhe contornos de um dever de casa chato onde o desinteresse pela partida acarreta um impacto comercial baixo, independentemente da plataforma em que seja transmitida. É verdade que também parece improvável que um Flamengo x Juventude numa segunda-feira à noite na nona rodada do Brasileirão consiga índices melhores que a partida acima, mas, no Brasileirão, jogos de pouco interesse comercial acabam diluídos frente à quantia maior de partidas com outros gigantes da Série A nacional.  Na letra fria da lei ainda é o “tamanho da audiência” quem manda nessa relação comercial.

Pracownik e J.R. Pisani: “No futebol, a imprevisibilidade de um resultado desportivo é o grande motivador da audiência de um evento”. Crédito: Divulgação

Dessa forma, o produto “Campeonato Carioca” precisa deixar de ser refém de chamadas como “enfrentar os grandes”, “clássicos entre os grandes”, ou até mesmo de conseguir um mando de campo no Maracanã. Para que os jogos do campeonato sejam dínamos de exposição, o ideal seria que existisse um maior equilíbrio entre as equipes, ou numa visão mais acessível e pragmática, que verdadeiras surpresas pudessem acontecer. No Futebol, a imprevisibilidade de um resultado desportivo é o grande motivador da audiência de um evento.

O Cariocão pode tirar muitas lições de outras competições do Brasil e do mundo. Olhar para exemplos como o da Copa da Liga Inglesa, US Open Cup nos EUA ou da Coupe de France podem ser opções bem mais realistas para um ecossistema tão rico como o do futebol carioca. Proporcionar uma Copa com jogo único no formato de “mata-mata” desde o início e colocar todos os clubes filiados à FERJ para se enfrentar é uma receita que pode dar um tempero especial para o torneio. A essência de uma competição  nesses moldes está em democratizar o futebol para o torcedor que mora longe dos grandes centros urbanos, o que normalmente também significa estar longe dos clubes mais famosos. A emoção dessas competições está toda com o torcedor de futebol e na atmosfera incrível que se cria em verdadeiros confrontos de Davi contra Golias. Dar o mando de campo para a equipe com classificação mais baixa pode gerar situações incrivelmente desafiadoras, mas com certeza ajuda a trazer charme e principalmente histórias mais interessantes ao longo do torneio.

Mesmo sabendo que 8 de 10 finais serão disputadas entre um dos quatro grandes, imaginar um Botafogo sendo obrigado a jogar contra um Mageense logo na primeira rodada, num César Paim lotado de torcedores (e rivais) empurrando o time local, onde uma vitória magra por 1×0 coloca o vencedor na próxima fase, é algo que trás o que há de mais fantástico no futebol. Girar essa roleta a cada rodada tanto para equipes grandes, como pequenas, é a essência do que gera manchetes, lives e clickbaits.

É o que cria histórias de Cinderelas, com o verdadeiro potencial de viralizar e dar uma exposição orgânica para as marcas e um imã potente de CPFs, personas, targets e dados, combustível para qualquer tentativa de crescimento exponencial de startups.  Da mesma forma, modelos mais regionalizados, abrem as portas para que muitas empresas locais consigam se associar ao “produto futebol”, sem prejuízo de manter o interesse das grandes empresas e anunciantes do futebol brasileiro. Sem esse tipo de wow factor, talvez seja mais coerente para uma empresa estampar sua marca na barra da camisa do Maricá em um jogo da Copa do Brasil ou apostar no seu logo escondido na omoplata da Portuguesa-RJ, torcer para que o clube avance bravamente, e rezar que o sorteio coloque um Corinthians como seu adversário na terceira fase da competição.

Na medida em que competições de mata-mata abreviam o campeonato para muitos clubes, é fundamental buscarmos outras formas pelas quais os clubes menores se mantenham em atividade durante todo o ano. Competições menores inter e intrarregionais poderiam ser criadas de forma a manter os clubes com elenco, investindo em formação e mantendo o interesse do seu torcedor durante todo o ano à espera do próximo Cariocão!

Não podemos deixar de abordar que o investimento no produto passa pela melhora de sua qualidade. É necessário investir em infraestrutura e na qualidade dos “artistas do espetáculo”. Para isso, verbas subsidiadas pela Federação de futebol direcionadas a esse beneficiamento, renúncias fiscais do estado e uma melhor distribuição de receitas entre os participantes são soluções possíveis para esse impulso. Como sugestão, um fundo de reserva poderia ser criado destinando-se um percentual arrecadado pelos direitos comerciais da competição para investimentos na melhorias de infraestrutura, marketing e formação de jogadores entre os clubes de menor porte.

Inovar é preciso, mas resultados de longo prazo só ocorrem com consistência de investimentos, planejamento e governança. Para isso, todo o ecossistema do futebol carioca precisa contribuir para essas mudanças.


Claudio Pracownik é CEO da Win The Game. J.R. Pisani é Research Associate da Win The Game