Opinião

Intervenção Estadual em Itaguaí, uma possibilidade

*Por Siro Darlan

O Município de Itaguaí, um belo e prospero território do Estado do Rio de Janeiro com uma população em torno de 140 mil habitantes, está passando por uma grave crise institucional de ameaça à harmonia e independência dos poderes em razão da intervenção do poder executivo nas atividades do poder legislativo, que segundo os princípios republicanos deve ter sua independência respeitada.

O princípio da separação de poderes está consagrado no art. 2.º da Carta de 88, verbis: “Art. 2. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” A separação de poderes é um princípio cujo objetivo é evitar arbitrariedades e o desrespeito aos direitos fundamentais; ele se baseia na premissa de que quando o poder político está concentrado nas mãos de uma só pessoa, há uma tendência ao abuso do poder.

A divisão e a independência entre os poderes são condições necessárias para que possa haver liberdade em um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo político em que haja. exercício de tutela sobre atividades jurídicas e políticas.

A respeito da independência e da harmonia entre os poderes, LUIZ ALBERTO ARAÚJO (1999:228) narra que “Essas funções do Estado, depois de identificadas enquanto tais por Aristóteles, foram ao encontro do pensamento de Montesquieu, em seu célebre trabalho O espírito das leis. A grande inovação na obra de Montesquieu consistiu exatamente em demarcar que tais funções deveriam ser exercidas por órgãos distintos, estabelecendo uma divisão orgânica do Estado.

A ideia subjacente a essa divisão era criar um sistema de compensações, evitando que uma só pessoa, ou um único órgão, viesse a concentrar todo o poder do Estado. […], estaria criado, portanto, o sistema de “freios e contrapesos”, pois, tais poderes – os órgãos do Estado – deveriam ter uma inter-relação harmônica, porém, cada qual mantendo o respectivo âmbito de independência e autonomia em relação aos demais.” KARL LOEWESTEIN (In MARTINS:1992, 54) mostra que “La dicotomía fundamental aquí propuesta de distribuición y concentración en el ejercicio del poder político sugiere un examen crítico de uno de los dogmas políticos más famosos que constituye el fundamento del constitucionalismo moderno: la así llamada ‘separación de poderes’, esto es, de los ‘poderes’ legislativo, ejecutivo y judicial.

A independência, ponderada com a harmonia, revela a viabilização da liberdade política, porém com a prudência do controle recíproco entre os Poderes, de modo a evitar o surgimento de um cenário de intimidação e insegurança, capaz de fragilizar o Estado Democrático de Direito, porquanto não há democracia sem o adequado funcionamento das instituições e das relações entre os Poderes da República, de modo que, por isso mesmo, o princípio da separação dos poderes compreende-se como cláusula pétrea constitucional.

Essa necessária independência não está sendo praticada no Município de Itaguaí, onde o Prefeito cooptou dez dos onze vereadores, fato escancarado por reuniões públicas, vídeos e fotografias, além de inflamados discursos de alguns vereadores proclamando sua submissão ao Edil, visando a derrubada do único vereador independente que é o Presidente da Câmara, perseguido por fazer críticas à administração do Prefeito. Ora aqui reside o papel dos vereadores, eleitos pelo povo para defender seus interesses populares.

Essa pendenga tem praticamente paralisado os trabalhos da Câmara, que enquanto deixa de praticar seu papel institucional de legislar e fiscalizar os atos da administração, se dedica a servir os interesses políticos do prefeito com vistas à eleição municipal que se aproxima, enquanto crianças estão sem uma escola de qualidade, professores ganham míseros salários, os Conselhos Tutelares desaparelhados para cumprir seu papel de efetivar os direitos das crianças e outras mazelas tem seu foco desviado para uma briga entre os dois poderes, com altos custos para o erário e pouca eficácia para a governabilidade.

Nesse panorama, a Constituição define as composições, funções e prerrogativas de cada um dos três Poderes, estatuindo, especificamente ao Poder Judiciário, a função de garantir direitos individuais, coletivos e sociais, resolvendo conflitos entre cidadãos, entidades e Estado. A propósito, dentro desse âmbito de atuação e do complexo mecanismo de freios e contrapesos, o ordenamento constitucional e jurídico brasileiro reservou meios hábeis a contestações e questionamentos de decisões emanadas pelos órgãos jurisdicionais, razão pela qual, quaisquer interferências – ou tentativas delas – sobre o Poder Judiciário, que dispersem dos recursos e instrumentos apropriados, evidenciam violação à separação harmônica entre os Poderes e abrem portas a uma indesejável desestabilização da própria democracia brasileira.

Esse é o fato concreto em Itaguaí, quando a desmedida ingerência do prefeito e de seus cooptados vereadores desvirtua e desequilibra a harmonia dos poderes, tornando o Prefeito um verdadeiro déspota a exigir a deposição do Presidente da Câmara eleito para cumprir um mandato e sob forte pressão política acusado de “cumprir o Regimento da Casa” ao marcar assembleias dentro do horário regimental, que sequer foram realizadas por falta de quórum.

Diante disso, reitera-se a importância de se preservar o princípio fundamental da independência e da harmonia entre os Poderes, garantindo-se os necessários equilíbrios e respeitos entre as instituições e, com isso, a salvaguarda do próprio Estado Democrático de Direito. Reza a Constituição do Estado do Rio de Janeiro que entre seus princípios fundamentais que “São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

O caso desafia uma reflexão sobre a necessidade de uma intervenção estadual no município, caso não volte a harmonia e o respeito aos princípios republicanos da independência, ameaçada pela indevida intervenção do prefeito e seus asseclas, na forma do artigo 35, IV da Constituição Federal por quebra dos princípios previstos na Constituição Estadual. E mais em seu preâmbulo, os legisladores assim apresentam a Constituição:

“Nós, Deputados Estaduais Constituintes, no pleno exercício dos poderes outorgados pelo artigo 11 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, reunidos em Assembleia e exercendo nossos mandatos, em perfeito acordo com a vontade política dos cidadãos deste Estado quanto à necessidade de ser construída uma ordem jurídica democrática, voltada à mais ampla defesa da liberdade e da igualdade de todos os brasileiros, e ainda no intransigente combate à opressão, à discriminação e à exploração do homem pelo homem, dentro dos limites autorizados pelos princípios constitucionais que disciplinam a Federação Brasileira, promulgamos, sob a proteção de Deus, a presente CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO”.

Destaco ainda que é preciso buscar a harmonia e o respeito entre os poderes constituídos por que esses são princípios republicanos e porque tanto o Prefeito quanto os vereadores são representantes do povo de Itaguaí que merecem respeito à confiança que neles depositou para legislar e governar Itaguaí com respeito, harmonia e independência, mas sobretudo olhando para os interesses públicos e não para os privados ou suas divergências políticas e ideológicas. Itaguaí, berço de nomes históricos. Itaguaí, terra de homens heroicos. O seu clima faz viver seu céu de anil. Tudo isso quer dizer, Brasil!!! Brasil!! Sejamos estoicos! Sejamos heroicos! Honremos Itaguaí!


Siro Darlan, advogado e jornalista

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