Categorias: Opinião

Viva o Bangu! Completa 119 anos uma instituição que se confunde com a história do Rio

*Por Carlos Molinari

O que faz alguém, em pleno século XXI, das grandes competições, dos clubes cada vez mais profissionais, das receitas gigantescas, do abismo enorme entre um grande e um pequeno, torcer para o Bangu Atlético Clube?

Talvez seja pela tradição, talvez seja algo restrito a moradores do bairro. Mas, muita gente ainda torce ou se importa pelo alvirrubro da Zona Oeste da capital. Num domingo de tórrido verão de 2023, numa partida contra o Madureira, no estádio de Moça Bonita, 1.215 pessoas pagaram ingresso para ver este jogo. Levando-se em conta que o “Tricolor Suburbano” não enviou um único torcedor ao estadinho e que, evidentemente, muitos banguenses não compareceram ao estádio, é de se supor que mais gente torça pelo Bangu. Há banguenses em vários estados da Federação, em cidades do interior do estado do Rio e há torcedores em outros bairros, que decidiram não enfrentar o calor insuportável daquela tarde.

Em campo, tudo deu certo. O Bangu venceu por 1 a 0, a torcida jovem “Castores da Guilherme” fez a festa e a praça em frente ao estádio lotou de gente, que saía da partida para o ensaio ao ar livre da Mocidade Independente de Padre Miguel.

“Ser Bangu é ser carioca”, já dizia o escritor Artur da Távola (falecido em 2008), quando assinava uma coluna no jornal O Dia.

Como tudo começou?

O campo do alvirrubro ao lado da fábrica de tecidos

Num domingo, 17 de abril de 1904, foi fundado um clube atlético num pequeno subúrbio fabril do Rio de Janeiro. À época, os sports eram verdadeiras novidades no país. Seus primeiros praticantes eram imigrantes ingleses. Mas naquela data, a nova sociedade tinha uma concepção inédita: era o primeiro clube ligado a uma empresa têxtil, seria a primeira vez que se promoveria a democratização do esporte para o operariado, oferecendo jogos de futebol, tênis e críquete.

O Bangu Athletic Club (escrito com a grafia dos fundadores ingleses) diferenciava-se do Fluminense (datado de 1902), justamente pela sua localização geográfica, pelo baixo preço da joia e das mensalidades e, claro, pela profissão de seus sócios: era uma organização para o lazer e divertimento dos milhares de operários da Companhia Progresso Industrial do Brazil (a popular “Fábrica Bangu”, inaugurada em 1893).

Os ingleses não sabiam, mas estavam criando um clube pioneiro. Pioneiro na criação da Liga de Football do Rio de Janeiro, em 1905, a quem deu o seu primeiro presidente (o português José Villas Boas). Pioneiro na disputa do primeiro Campeonato Carioca da história, em 1906. E pioneiro na inclusão de trabalhadores nos campos de futebol, sem distinção de raça, incluindo o atacante mulato Francisco Carregal e o goleiro negro Manuel Maia a partir da 1905. O Bangu era, certamente, bem diferente da fidalguia do Fluminense, do Botafogo, do Rio Cricket de Niterói, do Paysandu Cricket Club, do Football & Athletic, do Engenho Velho.

Depois do exemplo bem sucedido do Bangu, outros clubes de fábrica surgiram no Rio de Janeiro. O Carioca (da Companhia Carioca do Jardim Botânico), o Andarahy (da Fábrica Cruzeiro), o Confiança (da Companhia Confiança Industrial), o Mavilis (da Fábrica de Manoel Vicente Lisboa, na Ponta do Caju), o Brazil Industrial (de Paracambi), o América Fabril (de Magé). Nenhum deles, porém, permaneceu no cenário esportivo por 119 anos. Só o vermelho e branco da Zona Oeste. Só ele ficou para contar a história das lutas sociais no início do século XX.

O próprio dramaturgo Nelson Rodrigues (falecido em 1980), já questionava como o Bangu resistia à passagem do tempo em sua coluna no Jornal dos Sports:

“Amigos, pergunto ao Luiz Bayer: “Quantos anos tem o Bangu?” Retruca o colega: “O Bangu é antigo pra burro!” E, realmente, ainda segundo o Bayer, o Bangu é mais antigo do que o América. Tem muita idade. No período que vai do seu nascimento até hoje, outros pereceram, ou estão agonizando, ou mergulharam num ocaso sem esperança. Cabe então a pergunta: E o Bangu? Eis o que eu queria dizer: durante várias gerações ele foi um mistério do nosso futebol. Ninguém sabia se o Bangu era grande, ninguém sabia se era pequeno”.

Hoje, o Bangu é lembrado somente no primeiro semestre, quando disputa o Campeonato Carioca e, principalmente, pela sua história única, maravilhosa e muito bem organizada. Do Bangu, hoje, sabe-se tudo, ano a ano. O pesquisador de qualquer outro clube olha e vê que os arquivos banguenses têm o nome completo de todos os jogadores desde a fundação, têm a ficha de todas as mais de 4 mil partidas desde 1904, têm as fotos dos times de cada temporada, têm as estatísticas completas.

O Bangu vice-campeão nacional em 1985 com a presença de Castor de Andrade

Enfim, cada sócio que tivemos, cada um dos mais de 1.900 atletas que entraram em campo, cada dirigente que planejou o nosso futuro tem sua microhistória para contar. Relembrar o Bangu em mais um aniversário é relembrar que um dia, o Campeonato Carioca já reuniu seis equipes em condições de brigar pelo título, relembrar as tardes em que o Maracanã levava mais de 90 mil torcedores, relembrar as proezas da família Silveira (Guilherme da Silveira Filho era o herdeiro natural da Fábrica Bangu e Patrono do time de futebol) e da família Andrade (Castor de Andrade e seu pai, Euzébio, fizeram de tudo para colocar transformar o clube num time grande).

Parabéns, Bangu! Nós somos a História!

Bangu: peregrino do interior fluminense

Em catalogação inédita, feita para o site Conexão Fluminense, lembramos que o Bangu já participou de partidas de futebol em 35 municípios do estado do Rio. É provável que, muitos leitores, em algumas dessas cidades, lembrem-se da passagem do alvirrubro por lá, e talvez, tenham até alguma foto guardada no baú de casa.

Confira a última vez em que o Bangu se apresentou nos municípios:

  • Angra dos Reis, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Saquarema e Volta Redonda (2023)
  • Resende (2022)
  • Nova Friburgo (2021)
  • Cabo Frio (2020)
  • Itaboraí (2019)
  • Macaé (2018)
  • Campos dos Goytacazes e Petrópolis (2017)
  • Duque de Caxias e Mesquita (2016)
  • São João de Meriti (2012)
  • Barra do Piraí (2010)
  • Aperibé e Araruama (2009)
  • Cambuci e Silva Jardim (2008)
  • Casimiro de Abreu (2007)
  • Itaperuna (2006)
  • Macuco e Niterói (2004)
  • Barra Mansa e Três Rios (2002)
  • São Gonçalo (2000)
  • Teresópolis (1995)
  • Valença (1991)
  • Rio das Ostras (1990)
  • Miguel Pereira (1973)
  • Cordeiro (1972)
  • Bom Jardim (1965)
  • Paracambi (1913)
  • Magé (1912)

Carlos Molinari é jornalista da TV Brasil e Mestre em História

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