Opinião

Cardio-oncologia: Proteção cardíaca em tratamentos contra o câncer

*Por Flávio Cure

Pacientes submetidos a tratamentos de quimioterapia, especialmente com o uso de antraciclinas, enfrentam um grande desafio: o risco de desenvolverem lesões cardíacas graves durante o tratamento. Esse fenômeno, conhecido como cardiotoxicidade, tem se tornado uma preocupação crescente entre oncologistas e cardiologistas.

A boa notícia é que um estudo recente e de grande importância está abrindo novos caminhos para a prevenção dessas lesões. Recentemente publicado no European Journal of Heart Failure, o estudo destaca uma abordagem inovadora, chamada Condicionamento Isquêmico Remoto (CIR), que pode proteger o coração dos efeitos nocivos da quimioterapia.

Coordenado pelo prestigiado Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares (CNIC), o ensaio clínico tem à frente o renomado cardiologista Dr. Borja Ibáñez. O CIR é uma técnica que já foi estudada em outras áreas da medicina cardiovascular, mostrando grande potencial para a proteção do músculo cardíaco em situações de isquemia e reperfusão, como em pacientes com infarto agudo do miocárdio. Agora, sua aplicação está sendo testada no contexto da quimioterapia, especialmente no uso de medicamentos tóxicos para o coração, como as antraciclinas.

As antraciclinas são fármacos muito eficazes no combate a vários tipos de câncer, como linfomas e câncer de mama, mas infelizmente apresentam o efeito colateral de danificar o tecido cardíaco, levando à insuficiência cardíaca em muitos pacientes. Até o momento, não existiam estratégias preventivas amplamente aceitas para minimizar esse risco, o que tornava o uso desses medicamentos uma faca de dois gumes: eficazes contra o câncer, mas perigosos para o coração.

O CIR surge como uma nova esperança para esses pacientes. A técnica envolve a interrupção temporária do fluxo sanguíneo em um membro do paciente – geralmente o braço – por meio de um manguito inflável, como o utilizado para medir a pressão arterial. Esse processo é repetido algumas vezes antes de cada sessão de quimioterapia. A ideia é que esse procedimento não invasivo desencadeie uma resposta protetora no corpo, preparando o coração para suportar melhor os efeitos tóxicos dos medicamentos.

O estudo que está sendo conduzido, batizado de RESILIENCE, tem como principal objetivo verificar se o uso do CIR pode realmente reduzir a incidência de insuficiência cardíaca em pacientes submetidos à quimioterapia. Se comprovada, essa abordagem poderá revolucionar o cuidado cardiológico de pacientes oncológicos, oferecendo uma nova camada de proteção ao coração.

Além do CIR, o estudo RESILIENCE também faz uso de tecnologia de ponta para monitorar de perto a saúde cardíaca dos pacientes. Uma dessas tecnologias é a ressonância magnética cardíaca (RMC), um exame detalhado e não invasivo que permite aos médicos observar o funcionamento do coração com grande precisão. Os pacientes participantes do estudo passam por exames de RMC em três momentos distintos: antes de iniciar o tratamento, durante as sessões de quimioterapia e após o término do tratamento. Esse acompanhamento cuidadoso permite a detecção precoce de quaisquer sinais de cardiotoxicidade, possibilitando intervenções rápidas para evitar complicações maiores.

Os primeiros resultados do estudo são promissores e indicam que o CIR pode, de fato, oferecer uma proteção significativa ao coração de pacientes oncológicos. No entanto, os pesquisadores são cautelosos e apontam que ainda é necessário completar todas as fases do ensaio clínico para se chegar a uma conclusão definitiva.

Se os resultados finais confirmarem as expectativas, o CIR poderá se tornar parte do protocolo padrão para o tratamento de pacientes que recebem quimioterapia com antraciclinas. Isso significaria uma melhoria substancial na qualidade de vida desses pacientes, que poderiam continuar seu tratamento oncológico com menor risco de desenvolver insuficiência cardíaca ou outras complicações cardíacas graves.

Avanço na cardio-oncologia e uso de tecnologias

Este estudo não só representa um avanço importante na área da cardio-oncologia, mas também destaca a importância da colaboração entre diferentes áreas da medicina para melhorar os resultados dos pacientes. O uso de tecnologias de imagem avançadas, como a ressonância magnética cardíaca, e de estratégias preventivas inovadoras, como o CIR, mostram que estamos caminhando na direção certa para oferecer um cuidado mais abrangente e eficaz para pacientes com câncer.

Os próximos passos incluem a conclusão do ensaio clínico e a análise detalhada dos dados obtidos ao longo do estudo. Se bem-sucedido, o CIR poderá ser implementado em centros oncológicos e cardiológicos ao redor do mundo, beneficiando milhares de pacientes.

Com o aumento da sobrevida dos pacientes oncológicos, graças aos avanços no tratamento do câncer, torna-se cada vez mais urgente garantir que esses pacientes também possam viver mais e com melhor qualidade de vida, sem o ônus de doenças cardíacas induzidas pelo tratamento. O futuro da cardio-oncologia é promissor, e o estudo RESILIENCE é um grande passo nessa jornada.


Flávio Cure Palheiro é cardiologista, coordenador do Centro de Estudos do Hospital Copa Star.

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